Três da tarde do dia 12 de maio de 2005. Em casa numa deprê danada, o telefone toca. Do outro lado da linha:
-E aí rapá, comequicetá? Beleza?
Era o Léo Murunga, amigo de infância, que eu já não mantinha contato já há um tempinho - desde quando tínhamos uma banda de pagode romântico o Plebeus do Samba ( ver PAGODEIRO ROMÂNTICO FRACASSADO) – e que, sabiamente, ao afastar-se da minha aura fracassada, desligara-se do samba e acabara tornando-se um ortodontista bem sucedido e cantor e guitarrista de uma promissora banda de rock chamada Zé Oito.
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewProfile&friendID=90229190
http://tramavirtual.uol.com.br/galeriaArtista.jsp?id=761489
Excelente banda que faz uma mistura de ska, hardcore, surf e reggae. Ótimos músicos, som do caralho, letras autênticas. Muitos shows e respeito do meio do rock. Ouvindo alguns dias antes algumas gravações, tornara-me um fã da banda.
- Beleza brother, tá sumido véio! Quê que anda fazendo ? – respondi feliz, mas intrigado com a inesperada ligação.
- Vou dizer sem rodeios meu chapa. Hoje à noite faremos um show em Volta Redonda, num festival de rock ducacete chamado Freakshow, e compus uma música nova que tocaremos pela primeira vez nesse evento. A letra dessa música é em sua homenagem. Como eu te conheço desde molequinho, tentei resumir nessa composição tudo o que eu e a galera chegada sabe e acha de você. Nosso muso inspirador. Faço questão da sua presença velho. Vai ser ducaralho! Se liga! Vai ser hoje, às vinte horas em ponto, no Memorial Getúlio Vargas em Volta Redonda. Esteja lá, sem falta!
Fiquei parado ali mesmo, pasmo. Mudo. Estupefato. Minhas pernas tremiam. Coração aos pulos, sentia que, enfim, algo em mim tinha ou teve valor. Coloquei o telefone no gancho sem me despedir, tamanho o nervosismo. Uma letra em minha homenagem!
Sentei-me ali, ao lado do telefone. Delirava de orgulho. Uma homenagem em vida! Pelo conjunto da obra. A glória! Lembrei-me de uma parte da letra da canção "Quando eu me chamar saudade" de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito:
Sei que amanhã Quando eu morrer
Os meus amigos vão dizer
Que eu tinha um bom coração
Alguns até hão de chorar
E querer me homenagear
Fazendo de ouro um violão
Mas depois que o tempo passar
Sei que ninguém vai se lembrar
Que eu fui embora
Por isso é que eu penso assim
Se alguém quiser fazer por mim
Que faça agora.
E esse amigo fez! Uma letra em minha homenagem! Caí aos prantos. Porra, uma letra em minha homenagem! Poucos foram os que receberam homenagens musicais. Só gente legal, importante. Só personalidades que haviam contribuído com algo relevante para a humanidade tiveram esse privilégio. Romário era um que tinha recebido homenagem em letra de música. Renato Russo, Cazuza, Roberto Carlos, Machado de Assis, Tião Carreiro, Enio Morricone, Paulo da Portela, Madre Tereza de Calcutá, Tim Maia, Chaplin, Gandhi, Hermeto Pascoal, Betinho. Essas celebridades, como eu, tinham sido homenageadas em letras de canções. Carlinhos Brown prestara homenagem a Gilberto Gil. A banda de rock Dr. Sin ao Rogério Ceni. Beethoven, quando fora professor de piano do arquiduque Rudolf, havia escrito em sua homenagem Concerto triplo em dó maior opus 56, para violino, violoncelo, piano e orquestra. Eu também havia recebido uma homenagem. Eu era um deles. Um duque. Um vencedor. Um homenageado. Um muso inspirador.
Olhei no relógio. Havia me perdido nas minhas divagações. A hora tinha passado. Já era seis da tarde.
Peguei o meu melhor terno, o marrom-claro. Gravata preta. Cinto cor de baunilha combinando com o sapato. Gel no cabelo. Olhei no espelho, tava na estica! Um duque prestes a ser homenageado!
Ônibus lotado. Quarenta minutos de viagem.
- Paz do senhor! – falou um camarada evangélico dentro do ônibus, olhando pro meu terno e pro meu cabelo brilhosão de gel. Deve ter achado que eu era pastor. Não me deixei abalar. Eu era um duque.
-Vai se fuder! – respondi do alto do meu garbo de futuro homenageado!
Dezenove e quarenta. O local fervilhando de gente. Zé Oito ia ser a primeira banda a tocar. "E a me homenagear" ( pensei orgulhosão). Decidi não beber nada pra não perder nenhum segundo da emoção. Tava - raríssimo isso – de cara limpa. Fiquei na beira do palco. Olhei em volta. Olhei pra mim, o Duque. Conferi o vinco da calça do terno. Gravata alinhada. Cinto cor de baunilha combinando com o sapato nos trinques.
Vinte horas em ponto. Anunciam a banda. Frio na barriga. Pernas bambeando. Em poucos segundos todos ali saberiam que eu não era um merda. Olhei pra trás e vi uma multidão eufórica esperando pela entrada da banda.
Zé Oito! Zé oito! Zé Oito! Zé oito! Zé Oito! Zé oito!
Apagam-se as luzes.
Minhas pernas ameaçam vacilar de nervoso. O calor dentro do terno era insuportável. Coração quase na boca. Vontade de cagar. Nervoso. Começo a ter vertigens. Tento me controlar. Duque homenageado! Pensava nisso pra me dar resistência e forças pra não desmaiar de emoção.
No palco aparece meu amigo de fé e irmão camarada Murunga, empunhando sua guitarra e ajustando o microfone. A banda se posiciona. Um altíssimo acorde distorcido da guitarra chama a atenção de todos. As luzes todas se acendem ao mesmo tempo. Murunga no microfone anuncia a banda.
A multidão tomada de êxtase responde: Zé Oito! Zé oito! Zé Oito! Zé oito! Zé Oito! Zé oito!
Sua voz, alta pra caralho, nas caixas gigantescas pede uma pausa para os músicos. Antes de dar mais um acorde, Murunga aponta pra mim no meio da multidão e fala:
- Vamos tocar uma música nova em homenagem a um amigo nosso que, por seus notáveis feitos, e por sua ilibada vida, mereceria muito mais do que isso. É aquele cara ali. O nome dele é Alexandre, mas na época do nosso grupo de pagode romântico, ele atendia por Xerôso. Nosso muso inspirador!
Todos na multidão olham pra mim. Vão se afastando aos poucos e o canhão de luz me destaca. Uma câmera joga a minha imagem nos telões gigantes.
É agora! Minhas façanhas, minha arte, meu talento,minhas glórias e meus méritos cantados em vários decibéis para todos ouvirem. Ameaço desmaiar, me seguro. Cara encharcada de suor. Calor! O terno abafando. Determinação e resist~encia para resistir ao forno dentro do terno. Orgulho de ser famoso, importante, glorioso.
Murunga deda a guitarra e grita aos berros em plenos pulmões:
- Agora com vocês, a nosso nova música, em homenagem ao Xerôso: DEUS TÁ VENDO!
E guitarra, baixo, bateria, saxofone, trompete explodem num som gigantesco, redondo, perfeito, acompanhando a letra que eu estava conhecendo ali, junto de todos:
Deus tá vendooooooooo!
Faz pipoca em molho de picanha
Como arame liso,só cerca e não arranha
Planta bananeira em shows de pagode
Qualé,cumpádi,desse jeito não pode
O problema é o espaço entre a ID e o alter ego
Bronha demais pode até te deixar cego
Tá achando que o mundo acaba em cachaça
Nome é Xeroso,sobrenome manguaça
Deus tá vendooooooooo!...
Nem consegui terminar de ouvir o resto da canção. Desmaiei ali mesmo.
4 comentários:
A FRUSTRAÇÃO FICOU POR CONTA DO NÍVEL DA HOMENAGEM? HAHAHAHA
Riso sarcástico em caixa alta...
Só pode ser do próprio homenageador.
"A nível" de homenagem, ficou à altura do homenageado: baixíssimo nível!
( como é que se chora deprimentemente em caixa alta?)
Esse cara da foto é o que canta...
..."É A MINHAAA VIZINNNHAAAAAA"?
quem dera! essa quem canta são os replicantes,vários níveis acima desta humilde banda.
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