Dia desses eu me encontrei com um amigo e sentamos pra tomar umas brejas num botequim daqui de Barra do Piraí.
Pedi o gelo. E, antes de nos sentarmos, ele já foi disparando:
-Qual que é rapá? Cê tá pensando o quê? Que é o único fracassado do mundo? O maior fracassado do mundo? Li o seu blog ontem, achei uma merda!
- Mas a idéia é justamente essa! Que o blog seja uma merda, assim como o seu autor. Nessa você não me pegou não!
- Tá, mas pra que fazer essa merda de blog?
- Fiz porque quis fazer, porra ! Só quis reunir meus fracassos em textos e fotos nesse blog pra ter alguma coisa pra fazer, pra ficar menos à toa, já que, como um merda depressivo, quase nunca tenho alguma coisa de interessante pra fazer. – respondi puto.
- É mermão, mas lendo o que você postou até hoje, percebo que você nem é tão merda assim.
- Como assim, porra? Tá lá, tudo comprovado com foto: decepções, fracassos, derrotas, a biografia de um verdadeiro merda! Um bosta!
- Só que o seu grau de “merdice” nem chega perto dos fracassos de um amigo meu, o Agonia. Ele é o “rei do fracasso”. Ele é que é um verdadeiro bostão! Você perto dele é um Eike Batista!
- Agonia? Quem é esse cara? Ninguém me tira trono de “o cara mais merdão e fracassado do mundo”! Quem é esse cara?
- Porra o Agonia é o cara mais derrubado que já vi ! Sei pouco dele, mas o que sei já dá uma dó danada. Só se dá mal: é mais feio do que você, mais pobre, tem menos estudo e, pior - pra aumentar o azar dele - ainda é mais ambicioso, o que faz com que ele se meta em mais furadas e fracassos ainda. O cara fracassou em todas as profissões que se meteu, até como ator pornô em filmes de travesti ele se fudeu. Nos dois sentidos da palavra. Ah! Ah! Ah!
- Até como ator pornô em filmes de travesti?
Porra, o cara devia ser bom mesmo! Ator pornô em filmes de travesti eu nunca tinha tentado ser. Nem tentaria. Pra ser ator pornô em filmes de travesti fracassado tem que ser um merda de verdade. O cara era profissional no ramo. Era fodão! Eu comecei a ficar com inveja do tal Agonia.
- Quero conhecer esse cara! Duvido que, botando na mesa - vá lá, ainda que ele tenha sido ator pornô em filme de travesti fracassado - ele ganhe de mim em quantidade de fracassos. Eu é que sou o merda! Eu é que sou o merda!
- Não sou muito entendedor dessas coisas, mas me parece que em tratando-se de fracassos, o que vale mais é a qualidade e não a quantidade.
De certa forma, concordei com ele. Mas eu tinha que tirar a prova!
- Me apresenta esse cara!
- Tá, porra! Pára de encher o saco. Amanhã eu falo pra ele vir aqui nesse mesmo horário procês se degladiarem. Mas acho que cê vai se fuder! Vai por mim...
Saí dali atormentado pela idéia de poder ser destronado. Ninguém tinha o direito de ser mais merda do que eu!
No dia seguinte estava eu, novamente, lá no tal botequim. Ansioso. Olhando para baixo, tenso, perna direita quicando de ansiedade. Esperando o meu poderoso adversário.
Eu tava quase desistindo quando de repente chega um cara no balcão, com cara de choro, e pede um copo cheio de rabo-de-galo. O cara era feio pra caralho. Exalava depressão, baixo-astral. Vi que, pela cara,que o camarada tava agonizando mesmo. Caralho! Agonizando! Só podia ser o tal Agonia!
- Agonia? – perguntei firme.
- Não!
- Você não é o Agonia? O famoso Agonia?
- Famoso eu? Um bosta como eu nunca ia ser famoso...
Era o Agonia mesmo, só podia ser.Tinha me desarmado. Golpe baixo.
E pediu mais uma dose de rabo-de-galo. E, cara de choro, pediu fiado! O cara era bom mesmo. Me desarmou. Veio bem preparado.
- Agonia, cê sabe por que tá aqui e eu também. Vamos tirar nossas diferenças logo!
- Que diferenças ? Você é muito melhor do eu, admito. Já pode se considerar vencedor.
Porra! O cara era um estrategista nato. Ali era um jogo de xadrez. Me considerar, antecipadamente, um vencedor, fazia com que ele é que fosse o vencedor, já que o perdedor, no caso ele, é que venceria. No xadrez, aquela situação ali seria como um xeque em mim. Mandei na lata:
- É verdade que você já foi ator pornô em filmes de travesti fracassado ?
- É que por ter um pau de 8 centímetros, mesmo sendo heterossexual, só fiz cenas em que eu era passivo. Só travesti pirocudo! E eu não agüentei o rojão e pedi arrego. Saí no meio das filmagens.
Porra, meu pau era maior do que o dele. Muito maior por sinal. Ponto pra ele. E ele foi um heterossexual estuprado por travestis pirocudos num filme, sem ganhar nem um centavo pra isso, já que havia desistido de terminar as filmagens. Mais cinco pontos pra ele.
- Qual que é mermão? Você foi porque quis. Sabia muito bem onde tava se metendo. Ou se metido – eu me arrependi imediatamente da piada, já que dava mais pontos pra ele. Isso foi conseqüência da sua escolha!
- Quem me dera fosse por diversão! Eu me inscrevi como ator desse filme pra levantar uma grana pro tratamento de aids que eu peguei quando me fizeram uma tatuagem à força na prisão, coma agulha contaminada.
Um jeb no meu queixo. Ex-prisioneiro. Aidético. O cara era um mestre. Levantou o braço e me mostrou a tal tatuagem. Era um desenho escuro, comprido, meio turvo que eu não consegui distinguir direito.
- Que porra de desenho é esse ?
- Um tolete...
- Um toalete? Não tô entendendo. Um banheiro?
- Um tolete! Um tolete de merda! Me tatuaram um tolete de merda no braço porque meu apelido na prisão era o Bostão.
Porra, Bostão soava mais forte do que O Merda. Mais três pontos pra ele. Bostão era bom. Dei-me por vencido. O cara nem ia precisar de contar o resto dos fracassos dele, já tinha dado xeque-mate. Quase que eu contrariei a regra do mundo dos merdas que é ter pena de outro merda. Meu coração apertou, mas resisti. Não tive pena. Se tivesse, definitivamente daria-me por vencido. Um merda nunca pode ter pena de outro merda. Mas, ao menos tentei ajudá-lo.
- Cara, você é um mestre! Você tem que contar a sua história pro mundo. Todos os merdas do planeta vão te venerar! Por que você não faz um blog como eu cara?
- Ninguém nunca veneraria um merda como eu... E eu não tenho internet, não sei mexer em computador, nem grana pra pagar lan house eu tenho.
Meu mestre. Paguei mais um rabo-de-galo pra ele. Ele me agradeceu humilhando-se de cabeça baixa.
Eu disse, reconhecendo a minha derrota:
- Você definitivamente é muito pior do que eu. Dou-me por vencido. O meu camarada ontem tinha razão. Eu sou muito melhor, mais bonito, mais rico, tenho acesso à internet, não tenho tatuagem de um tolete de cocô, nunca fui estuprado nem preso, não tenho aids e ainda tenho o pau muito maior do que o seu!
Agonia ouviu o que eu disse. Tomou o rabo-de-galo numa talagada só. Com os olhos esbugalhados, deu uma golfada e vomitou o rabo-de-galo no meu pé. Pediu desculpas.
Saiu dali de cabeça baixa. Limpando o vômito na barra da camisa. Agradeceu novamente pelo rabo-de-galo. Pediu desculpas pelo vômito. Eu resignado pela derrota, despedi-me do meu mestre que saiu cambaleando.
Do meio do caminho, ele voltou e, com a mão nos meus ombros, sem olhar nos meus olhos, disse-me.
- Esquenta não rapá! Continua lá com o seu blog. E outra coisa: se você foi derrotado por mim em questão de fracassos, você é quem foi o perdedor. Portanto o ganhador. Você que é um verdadeiro fracassado.
Saiu deixando ecoando suas palavras na minha cabeça. Fiquei confuso. O cara teve pena de mim. O cara teve pena de mim !
Me senti, orgulhoso, um verdadeiro merda.
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