fracassos

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quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

REVEILLON FRACASSADO

Virada do ano de 1999 para 2000. Congestionamento monstro pra chegar em Copacabana. Gente se empurrando a pé no túnel engarrafado. 2 milhões de pessoas. 2 milhões de pessoas?! Gente pra caralho! Prum misantropo semi-hermitão isso é a imagem do inferno. E eu estava lá. O inferno são os outros ( 1.999.999). Calor, muvuca, barulho. Só com muita cerveja (quente pra cacete, por sinal!) pra tentar aturar essa merda. Inferno. No máximo uns cem banheiros químicos para atender essas 2 milhões de pessoas. Mijar na areia atrai instantanemante dezenas de viados manja-rola reguladores de manjuba. Trava o mijo na hora. Bixiga doendo. Dor de cabeça. Perna cansada.

“Mil passou, dois mil não passarás”.

Já pensou? Um mega-tsunami afogando aquela multidão ultra-feliz com uma felicidade forçadamente irritante. Uma catástrofe que, isso sim, me deixaria feliz.

"Ai de ti Copacabana! "

Um saco essa gente. “Um ano de dificuldades ano passou e o que virá será cheio de esperanças e oportunidades!”- eu ouvia. Putaquepariu! Se o reveillon fosse, por exemplo, no dia 17 de abril, dia 18 eu ficaria mais rico e cheio de oportunidades?

Obrigação de ser feliz, abraçar desconhecidos, beber cidra vagabunda, pular no mar. Bêbado pra caralho, pulei. Areia na cueca, água salgada ardendo mais na assadura das dobras das pernas do gordo mau humorado. “Quê que eu tô fazendo aqui??”. Atenção máxima no alto, pras fagulhas de bombas que falham dos idiotas soltando rojões e fogos o tempo inteiro. Tocha na cabeça da gente, queimadura de terceiro grau. Tem que ficar esperto. Tentativa de atenção redobrada quebrada pelo excesso de conhaque ( o dinheiro pra cerveja tava acabando). Caganeira decorrente do bolinho de camarão estragado comido às pressas numa barraquinha em frente ao Meridien.

2 milhões de pessoas é gente pra caralho! Pensei nisso e fiquei bolado: Porra, nas estatísticas sempre tem aquelas conclusões:

-a cada 10 mil pessoas, uma nasce com síndrome de down;
-a cada 2.000 mil nascimentos, um é de gêmeos univitelinos;
-a cada 500 mil nascimentos há, pelo menos, uma criança xipófaga;
-uma em cada 200 pessoas já traiu ou foi traído pelo(a) parceiro(a);
-um em cada 200 pessoas pode ser psicopata em potencial;

Pirei!

Porra, ali então, em Copacabana, no meio daquelas 2 MILHÕES DE PESSOAS havia, com certeza,segundo as estatísticas: 200 mongolóides, 200 pares de gêmeos; 4 xipófagos, 100.000 cornos e, consequentemente,100.000 adúlteras ( e cem mil ricardões, é claro!) e – sinistro – 10.000 psicopatas!

Bebi mais conhaque.

Assim, as 1.789.936 pessoas restantes dividem-se em bêbados chatos, viados incorporando pomba-gira, incovenientes jogando Cidra Cereser no meio da nossa cara, viados manja-vara esperando a rapaziada mijar na areia, trombadinhas roubando carteira, putas fedorentas, assaltantes à mão armada, jiu-jiteiros com pitbul sem focinheira, patricinhas em grupos, madames com poodles que são tratados com nome de gente, clubbers, metaleiros vomitando no nosso pé, skin heads putaços da silva, criança chata chorando, morrinha enjoadiça de sovaco de crioulo pagodeiro e, principalmente, as mais irritantes: pessoas que exigem que você esteja extremamente feliz. Tem que estar feliz! É obrigatório estar feliz!

Mas, peraí: 210.062 + 1.789.936 somam 1.999.998 pessoas. E as duas que restam? Aí é que tá a parada realmente sinistra da coisa. Pensei, convicto e estupefato que, diante de todas essas estatísticas, deve haver alguma que comprove que a cada dois milhões de pessoas, duas serão parecidíssimas e idênticas.

Me deu terror. Passei horrorizado a olhar no meio da multidão procurando meu outro eu. Um cara com a cara igual a minha. Vou matá-lo, pensei. Vou estrangular esse filho da puta que se parece comigo. Pior se ele também estiver atrás de mim com a mesma intenção! Um jogo de gato e rato. Caco de garrafa de champanhe na mão, comecei a correr desesperadamente pela multidão - extrema euforicamente feliz - a fim de encontrá-lo antes que ele me encontrasse.

...10... Putamerda, vou matar esse desgraçado! ...9... Cadê o desgraçado? ...8... Pegar na trairagem, caco de vidro na garganta do eu ...7... Uma estatística a menos ...6... Cadê o desgraçado?...5... Porra, tô bebaço, tenho que ficar esperto, porque o cara é esperto como eu e pode ser que ele não tenha bebido nada...4...Cadê o desgraçado? ...3... outro gole no conhaque ...2...Daqui de cima desse andaime deve dar pra ver melhor. ...1... Cadê o desgraçado?

FELIZ 2000!

Parei, e, de cima do andaime, olhando no mar da multidão, vi, impressionantemente, o espocar uníssono de milhões champanhes formando uma onda turva de espuma e rolhas. Um mar de felicidade. 2 milhões de pessoas! Ao mesmo tempo. Parecia combinada a sincronia.

Impressionante pra caralho!

Chorei.

sábado, 27 de dezembro de 2008

CARTA A UM JOVEM MERDA

(escrito num botequim da Lapa, no Rio de Janeiro, em 2004)

Por que eu odeio? Porque sim, porra! Odeio! Odeio essa gentinha com talco no suvaco que freqüenta hoje a Lapa. Vêm com as suas camisas do Che Guevara, encher o saco sobre Madame Satã, sobre a “diversidade de tribos da Lapa”, sobre Nietzche. Tão achando que aqui é o Baixo Leblon. Essa corja que vem pra cá, freqüentadora daqueles botequins-butique tipo aquele Jobi que é o ponto de encontro da turminha pós-praia ou dos autodenominados boêmios zona sul. Banalizaram o termo. Qualquer bundinha pode ser boêmio hoje, e saem lá desse caralho desse ambiente e vêm encher o saco aqui. Odeio a turminha do chorinho. Odeio a turminha do “samba de raiz”. Odeio.

Lapa no fim dos oitenta e começo dos noventa é que era uma boa. Só birosca bagaceira sem palyboy nenhum pra encher o saco. Tinha um ou outro show no, então decadente, Circo Voador. Tava bom assim. Mas tudo mudou quando o João Gordo xingou o então prefeito Luis Paulo Conde em pleno show do Ratos de Porão em 96, que em retaliação fechou o Circo Voador. Eu tava lá. Todo mundo achou do caralho a atitude punk do gordo e eu pensei:

“ Porra, já até sei o que que vão fazer com a Lapa, vão, num sensacionalismo do caralho, usar esse episódio, o do fechamento do Circo, como pretexto pra fazer manifestos e tentar revitalizar o dito “reduto boêmio carioca”, e vai vir uma playboyzada do caralho pra cá!”

Dito e feito! Reformaram o Circo, abriram uma porrada de bares de “ Samba e Chorinho”. Acabaram com as biroscas dos travecos. Visual “clean” pra grigo ver. Ce acredita que tem até moleque de terno branco e chapéu panamá passeando estilo “malandro da lapa dos anos trinta”? Vai pro caralho. Se der uma navalha na mão desses almofadinhas ele tremem de medo.

Tá uma merda isso aqui hoje.Não se pode ficar tranqüilo tomando um gelo sem ter alguém que me irrite profundamente. Tem sempre algum peça querendo dar uma de malandragem sambista. Passaram a adolescência inteira ouvindo U2 e Legião Urbana, essas merdas, e agora querem dar uma de velha guarda da Portela. Pau no cu.

Odeio os zona sul que comem o Angu do Gomes e lambem os beiços na frente do amigos, se mostrando por um momento “ um suburbano legítimo”, pra depois vomitar escondido. Já vi essa parada acontecer. Escroto. Não é?

Tripa Lombeira com bastante pimenta no rabo deles pra ver o que é bom pra tosse. Não é? E rabo-de-galo pra abrir o apetite. Angu do Gomes no prato sujo. Churrasquinho cheio de nervo comprado ali do lado da Rodoviária Novo Rio, num pratinho com farofa, pra testar o estômago sensível da corja da “intelligentsia carioquinha”.

Se fuder!

Não é?

Odeio camaradinha “cabeça” que distribui livretinho de poema feito à mão e se diz poeta. Poeta marginal em pleno século vinte e um tinha era que estar na cadeia. Parada datada. Lugar de marginal hoje é no xilindró. Odeio os descendentes da turma do Cazuza no Baixo Gávea. Aquela chatice de desbunde já era escrota lá pros anos oitenta, imagina agora. Baixo Gávea, Baixo Leblon. Baixo isso, baixo aquilo, mas quando pinta uma baixaria à vera por aqui, eles correm pra barra da saia da mãe.

Aqui era o lugar dos meus pares: puta, vagabundo, viciado em carteado, viadada se punhetando no banheiro, pivete vendendo amendoim, cachaceiro com cirrose implorando dose de pinga. Minha gente. Gente sincera que vive de verdade e não fica cagando regras. Por isso odeio quem odeia a minha gente.

Odeio artista plástico contemporâneo. Odeio bandinha recifense que faz sucesso. Odeio essa merda de Afroreggae Odeio quem carrega violão, pra aqui pra birosca e fica tocando sempre o mesmo repertório. Cartola, Noel Rosa, Pixinguinha, Heitor dos Prazeres. E pensa que merece aplauso, porque acha que é músico só porque toca essas porras das antigas e que merece silêncio e atenção solene, e ainda faz carinha feia quando a gente não tá prestando atenção. Vai tomar no cu!

Vai tomar no cu mais ainda a turma da poesia e do cinema.

Se tivesse realmente alguém talentoso não tava aqui, produzindo poesia a toque de caixa. A troco de caixa de cerveja, melhor dizendo.

Eu sei, sou fudido, segundo grau completo. Técnico em controle de qualidade de uma fábrica de papel higiênico na baixada. Leio relativamente pouco, só li três livros: Nossa Senhora das Flores do Jean Genet; Trópico de Câncer do Henry Miller e Malagueta, Perus e Bacanaços do João Antônio. Uma coroa que eu tava comendo ano passado, professora da UFRJ, que deus esses livros pra mim e disser que eu ia adorar, e acertou, eu não quis ler mais nada. Só esses me bastam. Fico relendo. Não conheço muito de literatura, nem de política, nem de sociologia e muito menos de filosofia, mas arvoro-me o direito de teorizar sobre essa turminha de intelectuais, poetas e filósofos que vem atrapalhar a gente a tomar a nossa Brama em paz.

A teoria é a seguinte, vê se você concorda comigo:

Um jovem médico pode ter as suas filosofices. Não é?
Um jovem pedreiro pode ser dado a especulações intelectuais, quando quiser, em uma mesa de bar. Não é?
Um jovem técnico de informática pode escrever um poema, de vez em quando, pra a sua esposa. É ou não é?
Porém, peça para um jovem intelectual levantar um muro ( não de palavras, mas de tijolos!) firme, reto, que não caia. Diga para um jovem poeta desses que ele terá que suturar um corte, com agulha, linha. É provável que, num chilique, ele desmaie em cima da pessoa ferida machucando-a mais ainda. Veja se um jovem filósofo é capaz de descobrir e resolver um problema de hardware no seu computador.

Cê sabe, como eu, que é impossível. Não é?

Agora, raciocina comigo: para que um jovem possa tornar-se um pedreiro, um médico ou um técnico de informática é necessário rigor. Rigor teórico ( formação técnica, no caso do da informática e acadêmica no caso do médico) e prática para essas três profissões ( muita prática no caso do pedreiro). Acerto e erro. Apuração e depuração dos métodos. Alguém, ou alguma instituição específica, que possa certificar-lhes se estão ou não aptos para exercerem tais profissões. Se eles serão maus, bons ou excelentes profissionais, só o tempo e os seus possíveis sucessivos erros lhes dirão e, mesmo assim, no caso hipotético de tornarem-se péssimos nos seus ofícios, ao menos foram submetidos a um pressuposto obrigatório: só puderam ser ruins porque tinham autonomia para sê-lo. Arcarão ( dependendo do caso, até judicialmente) com a responsabilidade de não fazerem juz ao reconhecimento profissional que lhes foi imputado. Não é? Tal como fiz, me fudendo pra cacete, para me tornar um técnico em Controle de Qualidade.

Então, mermão, diga-me uma coisa: o que faz com que uma pessoa, quando é, por exemplo, apresentada a outras numa mesa duma birosca, tenha a cara-de-pau de autodenominar-se como poeta, filósofo ou intelectual ?

- Prazer, Paulo O Poeta!

ou inda

- Oi, sou Afonso. Filósofo!

Isso é profissão? Ele vive disso? Tem certificado ? Vai tomar no buraco do cu! Tá bom. Pra não dizer que é implicância nem inveja minha, consideremos que ( por mais remoto que seja) algum desses “profissionais” viva da sua profissão. Poxa, eu sei que você não conhece e nunca soube de um filósofo ou poeta que vivam disso, de poetizar ou filosofar, mas é só uma hipótese. Então, continuando; vamos supor, por exemplo, que o tal “poeta” faça as suas poesias e descole um troco com elas. Consiga viver vendendo-as. Passou a ser uma profissão, não é? Dá lucro, portanto consideremos como profissão. Se é uma profissão, onde ele produz, divulga e vende um produto, então podemos compará-la a uma indústria. O produto ( o poema) sai da linha de montagem ( a “criatividade” e “peculiar visão de mundo” do poeta) e submete-se a estratégias de marketing e publicidade para que possa ser conhecido pelo grande público ( a leitura em praça pública e nos barzinhos de fragmentos dos poemas) e finalmente ser consumido ( a venda de mão em mão dos poemas em redutos boêmios, portas de teatro, posto 9, etc..). Beleza! Tudo certinho né? Calou a minha boca. Se o poema passa a obedecer as regras de um produto como outro qualquer que seja industrializado, então o autor do mesmo pode ser considerado como um profissional. “Um industrial das palavras” diria o próprio poeta, poetizando, todo orgulhoso de si. Mas nesse porém há um outro importantíssimo porém: deixei de mencionar, propositalmente, é claro, uma etapa do processo industrial de seminal importância para o produtor, para o produto e para o consumidor : o CONTROLE DE QUALIDADE DO PRODUTO. E dessa parada eu conheço. Toda indústria que queira solidificar-se no mercado deve submeter-se ao rigoroso Controle de Qualidade do Produto. Testes e mais testes, repetitivos processos de aferições de qualidade, incessantes medições, teste de eficiência, potencial de durabilidade, cotejamento com a qualidade de outros produtos similares, mas já respeitados no mercado ( e a busca incessante - após análises dos melhores produtos concorrentes - de superação, de uma fórmula inovadora ou de uma fórmula, até clássica, mas mais eficiente ) e submetimento do produto a órgãos idôneos e respeitadíssimos que, após a constatação de todos esses métodos, que credenciam-no com “QUALIDADE COMPROVADA”. Será que o tal poeta passou por isso também? Ou o pensamento do auto-proclamado filósofo, ou os questionamentos do dito intelectual?

Porra nenhuma!

Te garanto, porra nenhuma.

E tem mais: se, por acaso, um industrial chega à nossa mesa em um bar e nos é apresentado:

- Esse é o Flávio, industrial .

Nós ouvimos a informação de que ele é um industrial, mas não nos interessa ou nos passa despercebido qualquer especulação da qualidade da sua profissão. Não pensamos: “Será ele um bom ou mau industrial?” Apenas ouvimos “Esse é o Flávio, industrial ” ( ou o que quer que seja: professor, jornalista, engenheiro, advogado...) e pronto! Continuamos o assunto sem fazer qualquer julgamento de qualidade e de valor de sua profissão.Agora, perceba quando alguém apresenta outrem como “poeta” ( ou filósofo, ou intelectual...)

- Conhece Narciso o poeta?

Não é estranho? A palavra poeta traz uma carga semântica que, quase sempre, é entendida com adjetivo. Ainda que seja um substantivo. Mesmo se a “profissão” for a de poeta, poetizar, escrever e vender poesias. Confunde-se com o “poeta” adjetivado :

“Narciso é um verdadeiro poeta!”

ou seja; Narciso tem a imaginação inspirada, Narciso é dado a devaneios líricos e idealistas.

Quando alguém diz “ Conhece Narciso o poeta?” , imediatamente vem a mensagem subliminar “ Conhece Narciso o BOM poeta?”. E as menininhas, patricinhas, lindinhas, arreganham as pernas pra esses escrotos. Vão ao delírio quando ouvem:-

-Esse é o Nicão filósofo.

- Azuil, intelectual, ao seu dispor.

Vai pra casa do caralho todos esses poetas, intelectuais e filósofos babacas. Não é inveja não. Eu sei das minhas limitações e nunca me meteria em participar desse time. Eu só sei que eu sou um merda de um Técnico de Controle de Qualidade que trabalha pra caralho, quarenta horas semanais, faço três turnos na fábrica e ralo pra cacete pra conseguir, raramente, levar uma baranga prum hotel fuleiro daqui da Lapa. Sou um merda, eu sei. Um fracassado. Então, jovem leitor dessas preciosas linhas, se vier aqui pra Lapa, nunca queira se autodenominar um poeta , ou um filósofo, ou um intelectual.

Tô lançando um manifesto:

CARTA A UM JOVEM MERDA

Artigo 1 - Chame-se de Merda com “M” maúsculo. Apresente-se, peito estufado, sempre, como “O Merda”:

-Oi, eu sou o Zé, O Merda.

Artigo 2 - Se você for sentar-se na mesa onde estejam alguém como o Narciso o poeta, Nicão o filósofo e Azuil o intelectual, tire proveito disso. Apresente-se já anunciando “Oi, eu sou o Zé, O Merda”. Os três ficarão imediatamente com pena de você, pagarão muita cerveja para você, e os mais dados a especulações psicanalíticas ( Todos, no caso. Bem próprio dessa raça! ) acharão que você sofre de algum distúrbio de auto-estima e farão de tudo para tentar agradá-lo. A aporrinhação vale as cervejas e o papo bizarro ainda lhe proporcionará umas gargalhadas internas.

Artigo 3 - Meu caro jovem merda, tenha em mente uma coisa importantíssima: o poeta, o filósofo e o intelectual pertencem a uma espécie desagradável, mas até risível e ingênua de certa forma. Dá até para aturá-los. Mas fuja , de qualquer maneira, mantenha distância, daquele que se auto-proclama “artista”. Esse é perigosíssimo. Tem delírios de grandeza, é agressivo , julga-se incompreendido. Em um estágio mas acentuado, quando não cabe mais em si de tanta arte, ele ( o artista ) deixa de chamar-se de “ artista” e passa a falar do artista ( ele mesmo) sempre na 3ª pessoa. “O artista sofre”, “O artista é um paria nesse mundo de superficialidades”, diz o artista de si mesmo numa roda de conversa, a todos pulmões. Sinistro.

Artigo 4 - Pior do que isso, só mesmo quem se chama de “Gênio”, o inimigo número 1 do “Merda”. Nem por uma Boemia geladinha dá pra aturar!”

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

LETRISTA DE FUNK FRACASSADO

Na época em que eu estava mais curtindo funk, havia acabado de entrar ( pra agradar uma namorada) como membro de uma igreja pentecostal. Fiz uma letra que reunisse as duas coisas ( funk neurótico e evangelismo), desagradei aos dois. Perdi também a namorada.

Tá amarrado

Quarta feira retrasada
Eu entrei no lotação
Linha 742
Madureira x Conceição

Tava todo empolgado
Com minha nova aquisição
Nike Shox 12 molas
Que comprei à prestação

Bem no meio do caminho
Veja só que insensatez
Eu não vi que o cadarço
Do meu Nike se desfez

Quando repentinamente
Um senhor se levantou
Barba grande e cabeludo
na minha frente ele parou

Um coroa de espinhos
Encravada na cabeça
Ele olhou bem nos meus olhos
Disse “ Filho não se esqueça:

Amarra logo esse pisante
Não dá mole aos marginal
Sabe quanto tá custando
Um Nike Shox original ? “

Eu chorando de emoção
Amarrei rapidamente
Agradecendo ao senhor
Eu lhe disse prontamente

Tá amarrado! Tá amarrado!
Em nome do senhor
Tá amarrado! Tá amarrado!
O senhor é o salvador

Repete refrão 2 vezes

FORROZEIRO FRACASSADO

Letra de forró que enviei para uma porrada de forrozeiros do Brasil, de Targino Gondin a Raiz do Sana. Veementemente recusada. Pena que não exista forró no México ( ou na Venezuela).

Vila(nia) do Chaves

Mulé feia, nó no peito
Dor de corno , dor de dente
Pior que isso?
Ter o Chaves vitalício presidente

Sopa rala e salgada
Pinga aguada, cerva quente
Pior que isso?
Ter o Chaves vitalício presidente

Sogro brabo, sogra chata
Cunhado inconconveniente
Pior que isso?
Ter o Chaves vitalício presidente

Broxar no primeiro encontro
sorrindo amarelamente
Pior que isso?
Ter o Chaves vitalício presidente

Chefe chato no serviço
ressaca de aguardente
Pior que isso?
Ter o Chaves vitalício presidente

Ter a unha encravada
não há doido que aguente
Pior que isso?
Ter o Chaves vitalício presidente

A mulher de TPM
enchendo o saco da gente
Pior que isso?
Ter o Chaves vitalício presidente

Domingo em dia de chuva
ônibus cheio de gente
Pior que isso?
Ter o Chaves vitalício presidente

Quando rei da espanha disse “Cale-se! Inimigo!”
O bolivariano deveria correr, chorando:
Pi-pi-pi-pi-pi...
“Ninguém tem paciência comigo...”

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

AMIGO OCULTO FRACASSADO

Treze anos, mas aparentando onze. Franzino, curvado, sentava na última carteira do canto. Ninguém percebia sua presença. Insignificante, era invisível até para os professores. Timidez patológica, quando remotamente ocorria de ser solicitado para ir ao quadro-negro ou ter que responder de pé alguma questão, as pernas tremiam, a garganta salivava, a voz fina, ainda de menino, engasgava. Considerava injustiça cruel da natureza e da genética que, a puberdade e adolescência, dava precocemente pra alguns tônus muscular, barba, voz grossa, cabelo na perna e cara de homem. Enquanto ele meio-menino-meio-moça, liso, voz fina, resignava-se na esperança de em breve abrir repentino em flor de cactus, cara barbuda de xuxu velho, homem enfim. E esse dia não chegava nunca. Trapaceava. Na aula de Educação Física, dentro do short apertado de lycra ele enfiava duas meias enroladas. Olhos curiosos das meninas e da professora pro volume desproporcional. “Caralhudo”, chegou a captar um sussurro da Tatiana para a Patrícia. A única vantagem que via nisso era a de ser “respeitado” pela protuberância da “mala”. Ainda que houvesse a possibilidade de finalmente perder a virgindade, diante da curiosidade das mais assanhadas que vinham descaradamente perguntá-lo da centimetragem do suposto descomunal pênis, ele ponderava e esquivava-se das investidas: preferia a atual situação a ter que, indo pra cama com alguma delas,acabar sendo desmascarado. Ou “desmembrado”, melhor dizendo. E recusava. Agonizando ansioso, aguardava a natureza trazer, enfim, o cabelo no suvaco, a barba, os músculos, que nunca apareciam. Ele, o estranho na turma, refugiava-se sempre lá no cantinho da sala nas revistas de humor que comprava semanalmente. Durante as aulas, enfiava entre o caderno e lia e relia as revistas e jornais que mais gostava: Circo, Chiclete com Banana, Casseta Popular, Planeta Diário, O Pasquim, Heavy Metal, Revista Animal e todos os tipos de quadrinhos. Eram seus únicos amigos. Sua transgressão preferida, se é que isso poderia se chamar assim, era, enquanto ia ao banheiro em horário de aula, minutos antes do intervalo, às escondidas, colar páginas da revista Casseta Popular nas peredes do corredor da escola. Pro deleite e risos de todos na hora do recreio que nunca desconfiaram que era ele. Até que, numa das vezes, arrancou da revista uma foto em close de uma mulher de quatro, cu e buceta arreganhados, com uma maçã equilibrada em cima e uma piada tipo “acerte o alvo” ou coisa assim, e colou perto do banheiro das meninas. A diretora foi de sala em sala tentar descobrir o autor. Dizia ser um pervertido e desequilibrado que precisava urgentemente de tratamento e que ia ser imediatamente expulso. Nunca descobriram que fora ele, mas o autor desconhecido tornara-se uma espécie de herói na escola. Teve que amargar o anonimato. Mas nesse dezembro de 1987, 8ª série, é que ele, enfim, ia ficar conhecido e famoso por todos na escola. Explico. Fim do primeiro ciclo dos ensinos, término da 8ª série. Despedidas de fim-de-ano na escola, formatura e o temível amigo oculto, que ele tinha pavor. Na turma que formou-se junto, apesar de ser de escola pública, era repleta de filhos de figurões da cidade, advogados, médicos, comerciantes. Os alunos eram patricinhas e playboyzinhos com suas coleções de tênis Redley, bermudões da Ciclone e camisas da K&K que ele nunca teria dinheiro pra comprar, se quisesse.

No amigo oculto, ele tirara a Patrícia, a menina por quem ele era apaixonado, que por sua vez era apaixonada pelo troglodita do Odil, ele sabia. O cara, já marmanjo, apesar dos quinze, ostentava um invejável cavanhaque que humilhava os garotos e apaixonava as meninas. Ele, juntando moedas o ano inteiro, comprara um perfume da Cashmere Bouquet pra presentear a amada. Dia da entrega dos presentes. Ele, pernas bambas, garganta seca, esperando a sua vez para na sua voz fina de criança, entregar o carinhoso presente e finalmente se declarar pra Patrícia. Odil, o ogro, o tirara, foi lá na frente e com o único propósito de humilhá-lo, como fazia quase todos os dias desde a quarta série, disse que havia tirado uma menina sensível. Chama-lhe pelo nome e entrega-lhe uma caixinha. Ele abre e pra sua surpresa é um perfume feminino, idêntico ao que ele havia comprado pra presentear a sua amada Patrícia. Odil gritando sarcástico : perfume vagabundo pra uma menininha vagabunda. Deboche geral. Gargalhadas na sala. Ele tonto, humilhado, anuncia a sua amiga oculta. Ela, ao saber, faz cara de decepção, mas pega curiosa o embrulho. Ao abrir constata a coincidência dos perfumes: o que ele recebera de sacanagem do Odil e o que ela recebera dele. A mesma marca, a mesma fragrância. Grita nervosa:

- Perfume vagabundo pra uma menininha vagabunda também? Seu imbecil!

A turma inteira curva-se de rir. Ele mais humilhado ainda pela infeliz coincidência, começa a sentir tonteiras. Percebe que o Odil tenha armado tudo isso, descobrindo de alguma maneira qual era o seu presente para comprar um igual e preparar o ardil. Fica com ódio. Tem uma espécie de vertigem. Cambaleia em direção à primeira cadeira que vê, e na névoa da vista turva de nervoso, ao apoiar-se pra sentar, esbarra com o cotovelo num pacote grande em cima da mesa de presentes ainda não entregues. O pacote cambaleia e ele na ânsia de impedi-lo de cair acaba batendo a unha com força fazendo com que o pacote vá com mais violência em direção ao chão. Estouro. Cheiro forte de álcool ou algo parecido. Patrícia, que reestabelecendo-se do trauma anterior, olha pro chão, cai num grito histérico, tresloucado:

- O Whisky do meu amigo invisível, o Professor Ricardo. Whisky importado, custou uma fortuna, meu pai trouxe de Miami.

E põe-se a gritar com ele aos urros:

- Seu bosta, estabanado, imprestável, fracote, idiota, só pode ter feito de propósito, seu merda. Nem dinheiro pra comprar outra garrafa você tem seu pobre miserável.

Todos na sala, muxoxam em coral, olham com ar de reprovação pra ele, como que concordando com as observações da Patrícia para com o magricela menino-moça estranho.

Até o professor Ricardo, de fininho, sussura no seu ouvido:

-Putaquepariu moleque estabanado filho da puta, mandou meu whisky importado pro caralho, seu bostinha. Vou te reprovar seu filho da puta de uma figa!

O clima na sala é de consternação e silêncio. Ele borra as calças de nervoso, sai da sala com pernas bambas. Logo ao lado da porta da sala de fora está Odil e a sua trupe de trogloditas musculosos. Patrícia aos soluços abraçada na cintura do Odil que a consola. Odil é o primeiro a dar-lhe um murro na cara. Na seqüência dos trogloditas, pontapés, chutes, tapas. A voz fina do menino pedindo socorro.

-Eu pago, porra! Pago outra garrafa! Pelo amor de Deus, parem de me bater!.

Com o barulho, todos os alunos e professores saem da sala. O Odil, tentando dar mostra pra todos da sua masculinidade e supremacia física, segura-lhe com muita força uma das mãos no pescoço, enforcando-lhe no alto, e com a outra mão começa a lhe revistar os bolsos:

- Disse que vai pagar o whisky do professor né moleque? Vai pagar como se você é um pé-rapado? Chovê cê tem alguma mixaria nos seus bolsos. Porra nenhuma! Chovê na cuequinha da franguinha se tem grana escondida!

“Na cueca não!” “Na cueca não!” “Na cueca não!”, ele esperneou e grunhiu desesperado na forca-mão. Preferiria morrer sufocado de uma vez, em vez de ter a sua cueca revistada.

Até que, mão fora da cueca, Odil apalpa algo fofo, estranho. Enfia a mão e num solavanco violento arranca o par de meias simuladoras de pênis que ele punha na cueca desde o começo do ano. Odil o solta e numa estrondosa gargalhada ergue a mão e pra que todos vejam, mostra, tal qual um troféu, o psudo-pênis de pano.

Meninos, meninas, e até professores ressoam uma orquestra de risos estridentes e gargalhadas apontando pra calça arriada dele, pinto de anjo nu, penugem púbere, orgulho ferido ao máximo. Tivesse eu uma metralhadora aqui e agora, tivesse eu uma metralhadora aqui e agora... pensa chorando.

Ele levanta a calça e sai correndo desesperadamente pelos corredores da escola. Toma a rua. Entra no primeiro boteco pé-sujo que encontra e pede uma pinga.

Que toma até hoje, vinte anos depois.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

MALANDRO FRACASSADO

- O bagulho é frenético mermão! Te falei, porra! Televisão de plasma pela metade do preço, até por quinhentos reais ele faz!

Eu sentado no botequim, tomando minha Brahma e ouvindo a conversa dos dois camaradas que estavam em pé, encostados no balcão. No fundo, um toca discos rolando a música “Escola de Malandro” do Noel Rosa e Ismael Silva:

A escola do malandro
É fingir que sabe amar
Sem elas perceberem
Para não estrilar...

- Tudo que cê quiser mané! Som, dvd, compra de supermercado... Ce vai lá na loja, escolhe a mercadoria, mostra pro cara e depois ele te entrega em casa pela metade do preço que tava anunciando. Não sei como é que ele faz isso. Só sei que o bagulho é sinistro, não pode ficar estarrando geral por aí não. O cara só faz o serviço e tchau e bença. Não sei nem onde ele mora nem o nome dele. Toda quarta ele tá aqui jogando sinuca e fazendo uns contatos...

Fingindo é que se leva vantagem
Isso, sim, que é malandragem
(Quá, quá, quá, quá...)
[-Isso é conversa pra doutor?]

Fiquei curioso com a conversa. Eu fudido, véspera de carnaval, precisando de uma grana e ouço uma conversa tão interessante como. Desde semana passada que eu fui mandado embora da firma que eu tô querendo investir a merreca da indenização. Pensei em comprar umas latinhas de Brahma e vender no meio da rua no carnaval, mas com a grana que eu tava, não dava pra comprar nem umas 1000 latinhas quentes lá no Cereais Supermercados. Porra, um real a latinha quente, mó robalheira.

Oi, enquanto existir o samba
Não quero mais trabalhar
A comida vem do céu,Jesus Cristo manda dar!

Ainda de butuca no papo dos dois, tomei coragem, pedi licença e interrompi a conversa:

- Pô, não é por nada não, mas eu tava sem querer ouvindo vocês aí e me interessei pelo lance do tal camarada filantrópico. Cê sabe como é que faz pra entrar em contato com o mestre? – perguntei pro negão que tava dando a ficha da situação.

Tomo vinho, tomo leite,Tomo a grana da mulher,Tomo bonde e automóvel,Só não tomo Itararé(Mas...)

- Porra véio, amanhã é quarta e ele vai tá aqui. Se cê quiser, te boto na fita, mas cê vai ter que pagar uns gelo aí, morou?

- Só se for agora, respondi – Manel,disse pro dono da birosca, tô deixando 10 brahma paga pro gentileza aqui!

- Demorô, disse o crioulo. Amanhã 3 da tarde cê vem aqui que eu te apresento o Papai Noel.

Oi, a nega me deu dinheiro
Pra comprar sapato branco,
A venda estava perto,
Comprei um par de tamanco.

Papai Noel? Pensei eu, rindo por dentro. Papai Noel em plena sexta-feira de carnaval... Jingle Bell, jingle Bell saí assobiando rua afora, empolgadão. Eu me sentia o malandragem pura.

No dia seguinte, na hora marcada, estava eu lá. Grana no bolso, Os 1000 contos que sobraram da rescisão. O crioulão, que atendia por Geladeira me pega pelo braço e me leva lá pra perto da mesa de sinuca.

- Esse aqui é o brother de que te falei, disse o Geladeira colocando-me de frente prum cara de meia-idade, grisalho, de Ray Ban original, num terno preto novinho.

O cara não disse nada. Me regulou de cima em baixo com cara de bunda. Menosprezou mesmo. Eu também dei maior vacilo, porra! Vim de havaiana, bermudão de tactel e sem camisa. Passei impressão de esculachado.

- O que que o senhor deseja? Me disse, ríspido, o coroa, tirando os olhos de mim enquanto dava uma tacada na bola 7.

- É que eu tô a fim de comprar umas cervas aê pra vender lá no bloco. E lá no Cereais Supermercados tá...

Me interrompendo o coroa olhou pra mim e perguntou:

- Quanto você tem meu filho?

- Milzinho na mão.

- E quanto tá a cerveja mais barata da cidade?

- A Brahma em lata que é uma cerva boa de vender tá um real, disse eu.

- Separa 950 reais, e aluga um caminhãozinho por 50. Te faço a lata por 25 centavos.

Já é! – eu disse.

E comprei as latas e levei pra vender no meio da rua no carnaval de Muriqui. Choveu todos os dias. Não vendi nenhuma. E, dois dias depois, a polícia veio atrás de mim, lá em casa, pra verificar se eu fazia parte de uma tal quadrilha que aplicava golpes usando cartões de crédito clonados. Eu disse que não. Eles me “convenceram” a dizer que sim. Disseram que com uma “cervejinha” tudo tava resolvido. Dei todas as cervejas pra eles.

Voltei no buteco, pedi uma latinha de Brahma fiado - tava durinho da silva - e fumei um Derby ( tinha parado de fumar há mais de dois anos).

Na caixa de som a mesma música do Noel.

Pois aconteceu comigo
Perfeitamente o contrário:
Ganhei foi muita pancada
E um diploma de otário.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

ESTUDO FRACASSADO DE LINGUÍSTICA I

Faço um desabafo, dizendo que, por falta de coragem e de obstinação, eu desistira de levar adiante um projeto de estudo acadêmico que pretendera desenvolver acerca do tema PALAVRÃO. Tema do qual, provocaria sérias controvérsias na instituição, e que poria até em risco sua credibilidade como futuro pesquisador. Logo após, sigo com a transcrição de uma carta-declaração que, na véspera da ocasião da defesa da referida pesquisa, apresentara à direção do curso desistindo de continuá-lo, seguida de um resumo do que seria o tal nefando estudo. Que segue:

**********************
DECLARAÇÃO

Eu, Alexandre Coimbra Gomes, graduando do 4° ano de Letras desta Veneranda Instituição, e futuro professor de Língua Portuguesa e suas Literaturas, acuado diante do risco de sofrer uma esculhambação geral por parte dos ilustres companheiros de ofício (e, também, propagadores do bom uso e do amálgama da nossa Língua ), desisto desta lamentável apresentação sobre “o palavrão” e declaro recuar, como um pobre-coitado, a fim de defender minha reputação perante vocês.Sob o risco de incorrer em uma pesquisa espúria, em que “o tiro poderia sair pela culatra”, assumo que vali-me de total pudicícia para tomar tal resolução.Livro-os deste aperitivo de mau gosto do nosso ramo, evitando, assim, algum tipo de encrenca.Aqui fica meu testemunho.Por favor, não fiquem enfezados comigo.

Peço desculpas,
Alexandre Coimbra Gomes

******************
Querido Reitor, o resumo do referido projeto consistiria , após apresentá-lo como ante-projeto, no desrespeitoso e absurdo tema que segue:Português Culto x Português Vulgar :- a importância e o uso do chulo pelos cânones literários em suas obras . O presente trabalho pretende, livrando-se dos tabus que sempre cercearam estudos de tamanha relevância, redimensionar o quão necessário foi, e é, a importância dos palavrões para os autores da literatura de língua portuguesa, ditos canônicos, como forma de expressão, discutindo assim a utilização da linguagem chula , popular pela linguagem erudita ( e sua literatura ).

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Neste blasfemo estudo, Senhor Reitor, antes de dar início à pesquisa propriamente dita, eu pretenderia ( Olha que atitude mais ingênua e anti-acadêmica da minha parte!) corroborar uma suposta importância científica acerca do tema PALAVRÃO a partir de citações ( que eu denominara idiotamente como “Palavrinhas sobre palavrões”) como as a seguir:

“ Em ciência não há problema moral: qualquer pesquisa é válida desde que os objetivos sejam científicos”DINO PRETI –(professor da USP no livro “A Linguagem Proibida”.)

“Não vulgarizemos o palavrão (...)o palavrão há de constituir zona de segurança, um refúgio a ser utilizado (...), quase in extremis. Se banalizá-lo, na hora do sufoco vai-se usar o quê? Tiros, certamente.”SOARES FEITOSA –( escritor , em entrevista ao site Jornal de poesia)

“ O palavrão para o escritor burguês abre as portas para que se discuta com mais propriedades determinados temas qua são tabus, (...)sem luvas de pelica.”SILVIANO SANTIAGO – (escritor em entrevista sobre o seu livro “O Falso Mentiroso”)

“ (...) o primeiro ato civilizatório teria ocorrido quando, em vez de responder ao impulso de eliminar fisicamente a alguém que o tenha desagradado, o ser humano pré-histórico xingou aquele outro”SIGMUND FREUD – (o pai da psicanálise, no livro “O mal estar da civilização”)

“ A alegação de algumas palavra são tão deletérias a ponto de não poderem ser escritas é usada em todas as tentativas de impedir a liberdade de expressão (...).”RUBEM FONSECA – (escritor, no conto “Intestino Grosso”)

“ O palavrão é fundamentalmente necessário como meio de descarga emotiva. Não é apenas uma palavra, mas um campo magnético no qual o sentido é secundário em relação às suas linhas de força. ”(...) “ (...).o português é uma língua pobre em palavrões. Muito rico é o espanhol, que possui o maior número e os mais eficientes. O italiano não fica muito atrás, inclusive com uma grande variedade de blasfêmias. A mais pobre é o alemão. Talvez por isso, de vez em quando, os alemães precisem de guerras .”HALMILCAR DE GARCIA – (dicionarista e coordenador brasileiro do dicionário Caldas Aulete, em entrevista a Edilberto Coutinho, revista Fatos e Fotos Gente nº 735/1975)

“ Imaginad lo que pasaria em medicina si los médicos negaram atención a muchas inmundicias ( físicas y morales) que tienen que considerar”DÁMASO ALONSO – ( psicanalista chileno, citado por Camilo José Cela, em Diccionário Secreto)

“ (...) as sociedades ambiciosas detestam temas escatológicos e vivem obcecadas com eles”NORMAN MAILER – (escritor americano, na introdução do livro Erotismo na Literatura Brasileira, citado pelo dramaturgo Agnaldo Silva)

“ O palavrão é elemento útil para a caracterização do ethos de uma sociedade ou das constantes de uma cultura ou da identificação de um tempo social.”GILBERTO FREYRE - (autor de casa Grande e Senzala, no prefácio do livro “ Dicionário do Palavrão e termos afins”.)

“Não é qualquer um que consegue usá-lo ( o palavrão) bem; seu emprego é uma arte”ODUVALDO VIANA – teatrólogo, ao Diário de notícias em 14 de outubro de 1967.

“(...) falar palavrão é coisa séria, muito mais séria do que se imagina. (...) O palavrão deve ser usado como um sentimento muito forte de injúria. Para mim, usar um palavrão fora de hora é como marido e mulher irem a um motel. O motel foi feito para os amores clandestinos. Fazer amor legal no motel? Ora, faça-me o favor!”JOSÉ PAULO PAES – (poeta e escritor brasileiro em entrevista para a Veja, em 3 de abril de 1986 )

“ (...) a raiz latina de pudenta – os nossos genitais – significa ‘ envergonhar-se`. ficamos divididos entre o pudor e os abençoados prazeres do corpo, vivendo em meio a uma proliferação de imagens sexuais que nos causam ao mesmo tempo prazer e vergonha.”SALLIE TISDALE – ( do livro “Sussurre coisas eróticas pra mim”de 1985)

“Os palavrões possuem um poder de gerar alucinações, já que provocam a representação da cena sexual,das secreções e dos fuidos corporais, ou do órgão de uma forma clara à realidade”ARIEL ARANGO – ( psicanalista argentino no livro “As virtudes terapêuticas dos palavrões “.)

“A linguagem obscena, ou seja, os palavrões, seria transgressora , em alguma medida, por rebelar-se contra o engessamento emocional, promovido pelo que se convencionou chamar de “ bons costumes” (..) com isso, a linguagem obscena se presta a promover a liberação da agressividade, às vezes representando ela mesma a agressão” PAULO BESSA DA SILVA ( professor da UMESP no artigo “ linguagem obscena”)

“(...) mas não adianta consultar dicionários. em inglês, como em português, os dicionários continuam pudicos por princípio e atrasados por motivos técnicos.”MILLÔR FERNANDES – ( jornalista e escritor, in epígrafe do livro Dicionarinho do palavrão e correlatos” de Glauco Mattoso, em 1990)

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A partir daí, Senhor Reitor, é que eu finalmente analisaria os seguintes poemas:

Em face dos últimos acontecimentos
Oh! sejamos pornográficos(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castosque o nosso avô português?
Oh! sejamos navegantes,bandeirantes e guerreiros
sejamos tudo que quiserem,sobretudo pornográficos.
A tarde pode ser triste e as mulheres podem doer como dói um soco no olho
(pornográficos, pornográficos).
Teus amigos estão sorrindode tua última resolução.
Pensavam que o suicídio fosse a última resolução.Não compreendem, coitados,que o melhor é ser pornográfico.
Propõe isso ao teu vizinho,ao condutor do teu bonde,a todas as criaturas
que são inúteis e existem,
propõe ao homem de óculose à mulher da trouxa de roupa.
Dize a todos: Meus irmãos,não quereis ser pornográficos?

( Carlos Drummond de Andrade)

9 CENSURADO [1999]

Sabendo que a censura não me trava,
pediram-me um soneto sem calão
pra pôr na antologia de salão
que o tal do [censurado] organizava.

Queriam até tônica na oitava,
mas nada de recurso ao palavrão.
Usei o ingrediente mais à mão,
porém sem [censurado] não passava.

Desisto. Quanto mais remendos meto,
mais roto vai ficando o [censurado].
Poema não é texto de panfleto

pra ter que se estampar todo truncado!
Pois esta [censurado] de soneto
que vá pra [censurado] [censurado]!

(Glauco Mattoso)

100 PROIBIDO

Tabus são mui comuns em todo o mundo.
Na China não se pode ter irmão.
Em Cuba, ser de esquerda é obrigação e,
nos States, nada está em segundo.

Não deve um escritor ser tão profundo
a ponto de ocultar toda a intenção;
Nem é-lhe permitido o palavrão,
a fim de não ferir o pudibundo.

Em suma, se correr o bicho pega,
se fica o bicho come, não tem jeito.
Mas cego que é poeta não se entrega:

Se não existe fama sem proveito,
já basta o que a cegueira me sonega!
Sou chulo e reconheço meu defeito

(Glauco Mattoso)


Portanto, Senhor Reitor, neste ato de claro arrependimento, venho por meio desta, pedir o redirecionamento do objeto do meu estudo para outro em que sua nobreza de tema faça juz à seriedade dessa instituição.

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Alexandre, nós do blog os Bacharéis em Baixarias ( bachareisembaixaria.blospot.com) lemos e publicamos, como vê, todo o seu e-mail, mas gostaríamos de fazer algumas observações acerca justamente do tema que você, por critérios pessoais, desistiu de continuar a pesquisar (e que respeitamos o ato). O Reitor e os Professores desta “Veneranda Instituição” após terem lido a sua “DECLARAÇÃO”, acataram o pedido e até disseram terem adorado texto, como você nos disse. Mas nós os Bacharéis somos, como pode evidentemente perceber, especialistas em perceber baixarias nos mais recôndidos, obscuros e eruditos meios intelectuais. Esse é o nosso verdadeiro papel. Lamentável que o tal Senhor Reitor e os Venerados ( ou Venerandos? Sei lá, já me confundi com essa baboseira toda) Professores tenham concordado que você tivesse que se distanciar do tema palavrão, tenham lido e gostado do texto da sua DECLARAÇÃO e não tenham percebido algo importantíssimo:

SUA DECLARAÇÃO ESTAVA REPLETA DE PALAVRÕES!

Isso mesmo rapaz!Sem querer vocês pregou-lhes uma peça. Após termos feitos minunciosas análises etimológicas de cada palavra, verificamos que, na hipocrisia dessa atmosfera acadêmica, todos acabaram aplaudindo, sem perceber, justamente o que estavam rejeitando. Acompanhe as palavras numeradas do seu elogiado texto e veja a análise a seguir;

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DECLARAÇÃO

Eu, Alexandre Coimbra Gomes, graduando do 4° ano de Letras desta Veneranda Instituição, e futuro professor de Língua Portuguesa e suas Literaturas, acuado[1] diante do risco de sofrer uma esculhambação[2] geral por parte dos ilustres companheiros de ofício (e, também, propagadores do bom uso e do amálgama[3] da nossa Língua ), desisto desta lamentável apresentação sobre “o palavrão” e declaro recuar[4], como um pobre-coitado[5], a fim de defender minha reputação[6] perante vocês.Sob o risco de incorrer em uma pesquisa espúria [7], em que “o tiro poderia sair pela culatra”[8], assumo que, vali-me de total pudicícia[9] para tomar tal resolução.Livro-os deste aperitivo[10] de mau gosto do nosso ramo[11],evitando, assim, algum tipo de encrenca[12].Aqui fica meu testemunho[13].Por favor, não fiquem enfezados[14] comigo.

Peço desculpas,
Alexandre Coimbra Gomes

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Alexandre, nós do Bacharéis em Baixarias verificamos que etimologicamente as palavras grifadas têm as seguintes origens:

[1] - acuado - do Latim “ proteger o próprio rabo”, colocar o c* contra a parede.[2] - esculhambação - a etimologia identifica na palavra derivada do grego “koleión” , evoluindo para “colhões”[3] - amálgama - remete a “coito” em árabe antigo[4] - recuar – do Latim “ apontar para a região traseira”, ir em direção ao c*.[5] - coitado- do latim “coitus”.[6] - reputação - “do latim “puttare”[7] - espúria - Plutarco (50-120d. C) dizia que o adjetivo ‘spurius” deriva de uma palavra Sabina para a genitália feminina.[8] - culatra - termo bélico “culatra” do latim “culus”, “ parte de trás do canhão, ânus”[9] - pudicícia -“pudico”e “impudico” vem de “podex”,como os romanos chamavam o ânus.[10] - aperitivo- “aperitivum” era termo médico na Antiguidade que significava “purgante”[11] - ramo – do latim “ramu”, já foi “membro viril” na península ibérica.[12] - encrenca - vem do iídiche “ein krenke” que significa “ ter doenças venérea”[13] - testemunho - - “testimonium”, do latim, vem de “testi”, sobretudo no plural testes: “jurar sobre os testículos”.[14] - enfezados - tem a raiz no Latim “faeces”, ou seja; “estar encoleirado por fazer força para aliviar-se das fezes”

ESTUDO FRACASSADO DE LINGUÍSTICA II

ESTUDO LINGUÍSTICO: VARIAÇÕES DIATÓPICAS ACERCA DA LEXIA “PACA” ENCONTRADA NOS PONTOS DE PROSTITUIÇÃO DA PRAÇA DA BANDEIRA E DA BARRA DA TIJUCA, NO RIO DE JANEIRO.


O ambiente de prostituição, com todas as suas peculiaridades linguísticas e características sociais, mostrou-se deveras profícuo para o início de tais investigações. Ainda que, de antemão, percebesse-se dificuldade para tratar o tema.Dino Preti, no livro “ A Linguagem proibida” considera que[...] o estudo da linguagem erótica, como não poderia deixar de ser situa-se no campo dos tabus lingüísticos morais e abrange áreas sobre as quais , quase sempre por motivos óbvios, se te preferido calar , como por exemplo, a dos vocábulos obscenos, a dos “palavrões” e blasfêmias, a da gíria, a do discurso malicioso. Reunimos todas elas sob o nome de “LINGUAGEM PROIBIDA” , porque quase todas se apresentam como formas lingüísticas estigmatizadas e de baixo prestígio, condenada pelos padrões culturais, o que as transformou, com poucas exceções, em tabus lingüísticos [...]

Procurada uma bibliografia sobre o tema, qual foi a surpresa, ao observar que, nas áreas das ciências humanas, não foram encontradas pesquisas específicas no âmbito de estudos da linguagem direcionadas aos frequentadores desses ambientes.Além dos estudos que se têm feito nas áreas de antropologia, sociologia, história e psicologia, faz-se necessárias as investigações nestes ambientes pelos estudos da linguagem. Este é um tema que poderia ser considerado como irrelevante, diante da variedade de desafios e objetos de estudos mais “nobres” que a ciência da linguagem pode-se debruçar, mas esta pesquisa, pelo contrário, busca demonstrar que os pontos de prostituição ( e as conversas advindas deste) desempenham importante papel na vida de ponderável parcela do que se costuma chamar “a massa”.Neste pequeno trabalho, o objetivo inicial é o de caracterizar o linguajar dos frequentadores dos pontos de prostituição do Centro e da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, assim como chamar a atenção dos estudiosos da língua popular do ponto de vista lingüístico-dialetológico.


Com a introdução dos estudos lingüísticos no Brasil, a gíria passou a ser analisada, no país a partir da década de 70, em uma perspectiva descritiva e não normativamente como faziam os poucos gramáticos que se dispunham a tratá-la. Quem mais se destaca, nesse estudo, é o professor Dino Preti que, com sua equipe de estudo, contribuiu sobremaneira para quebrar a aura pejorativa que cercava o vocabulário gírio, até há poucos anos.Dino Preti [1] em entrevista, sobre o vocabulário gírio, afirma queAcho que em linguagem não há essa história de “benéfica” ou “maléfica”. Há variantes lexicais. Há variantes de maior prestígio e de menor prestígio. A gíria, de maneira geral na sociedade, é uma variante de baixo prestígio porque está ligada à linguagem dos jovens, do povo às vezes sem cultura; ou no caso da gíria de grupo, que é a mais interessante, está ligada às atividades marginais, às prisões, aos drogados, etc. Depois que a gíria sai desses âmbitos privados e se espalha, torna-se uma linguagem comum, que todo mundo usa. Existe, porém, esse estigma que se prolonga não sei por que; na verdade, a gíria em determinadas ocasiões é até a melhor linguagem. Depende do contexto e da situação. Torna-se inconveniente só quando usada indevidamente, em situações e locais onde não seja esperada e não haja expectativa para ela. Quase que em todas os registros feitos, os diálogos dos pontos de prostituição estavam permeados por vocabulário gírio, visto que este confirmara um processo de afirmação de uma linguagem malandra e anti-escorreita.


“ (...)Pó maluco, num vai fêchá a porta do banhêro não? Tá fedeno... [ depois de fechada] Demorô (...)” [ (R 3.4 \ G 080 ) em 22 de setembro 2007, às 21:00h ) ]


“(...) Já é cupadi ! Nem precisa insistir, a parada vai tá na fita amanhã! (...)” [ (R 3.3 \ G 078 ) em 10 de janeiro 2008, às 21:00h)


Entendendo a gíria como um termo genérico usado para designar o fenômeno sociolingüístico no qual grupos sociais formam um vocábulo próprio, percebemos, no que tange ao vocabulário gírio proferido nos ambientes pesquisados, o fenômeno da variação diatópica, ou seja, falantes de regiões diferentes que atribuem ao mesmo objeto nomes díspares. As variantes diatópicas caracterizam as diversas normas regionais existentes dentro de um mesmo país e até dentro de um mesmo estado ou cidade, como o falar gaúcho, o falar mineiro, etc. Por exemplo, “cair um tombo”, no Rio Grande do Sul; “levar um tombo”, no Rio de Janeiro.Um dos vocabulários gírios que, com a mesma pronúncia, teve acepções diferentes nas regiões pesquisadas pesquisadas foi o termo “paca”, entendido, no vocabulário machista e homofóbico das regiões da seguinte maneira:No conhecido prostíbulo conhecido como Vila Mimosa localizado na Rua Sotero dos Reis, pertinho da Praça da Bandeira (Zona Norte do Rio de Janeiro.] , “paca” refere-se, pejorativamente, à mulher de vida fácil ou prostituta

“(...) Ontem vim aqui na Vila Mimosa e peguei uma paca responsa (...)” (R 3.1 \ G 062 ) em 08 de abril de 2007, às 23:45h

“(...) Era uma paca gostosa demais rapá! Valeu cada centavo da grana que investi(...)” (R 3.1 \ G 156 ) em 19 de dezembro de 2007, às 22:00h

Em uma dessas ocasiões, na Vila Mimosa, o pesquisador participando de uma conversa, em uma roda de frequentadores, percebe que um deles, que acabara de vir do banheiro, ao retornar à roda de amigos, grita demostrando ar de alívio:

“(...) Putaquepariu rapaziada! Mijar quando a gente tá apertado é a melhor coisa do mundo !(...)” ((R 3.5 \ G 175 ) em 20 de maio de 2008, às 23:00h ) ]

Ao que outro , do meio do círculo de amigos, respondeu-lhe:

“(...) Das duas uma: Ou sou eu que não sei mijar ou você que não sabe fuder com uma paca! (...)” [ ((R 3.5 \ G 175 ) em 20 de maio de 2008, às 23:00h ) ]

Já na Barra da Tijuca, nas imediações de prostituição noturna, perto do Motel Papillon, o mesmo termo refere-se, pejorativamente, ao travesti, ou transexual:“(...) Cê soube que tem umas paca daqui que foram pra Itália? Tão ganhando a maior grana (...)” (R 2.1 \ G 141 ) em 28 de dezembro de 2007, às 21:00h “(...) Foi a Kelly de Vison uma vez na Praça do Ó que tentou enganá uns mané que não sabia que ela era paca. Os cara meteram a porrada nela(...)” (R 2.1 \ G 042 ) em 15 de novembro de 2007, às 21:00h “(...) Aê Dirlei! Sabia que o irmão do [ nome de outro frequentador do ambiente] virou maior paca?(...)” (R 2.1 \ G 135 ) em 24 de junho de 2007, às 20:00h ConclusãoEspera-se contribuir com este trabalho para o desenvolvimento dos estudos do estudo da linguagem popular brasileira e da dialetologia ( como subgrupo a socioletologia), já que o que se tem feito nesses dois setores dos estudos folclóricos e lingüísticos está muito aquém das necessidades percebidas por todos quantos labutam com o assunto.Exatamente por isso, quando se pretende fazer um trabalho de pesquisa sobre este ou aquele falar ou sobre este ou aquele aspecto da linguagem popular, sente-se logo a falta de um trabalho cientificamente desenvolvido por pessoa que possa figurar entre as autoridades no assunto, para que se possa ter um modelo de estudo atualizado com os avanços da lingüística.Sem a pretensão de sanar este problema, fica aqui um apelo aos especialistas para que esse trabalho seja feito o mais brevemente possível.Tratando-se ainda do vocabulário, é bom frisar que ali ficou registrado não só o catálogo das palavras, mas também das frases-feitas dos freqüentadores.Se ficar evidente, pelo menos, que este linguajar deve ser estudado melhor pelos especialistas, já terá sido alcançado o principal objetivo perseguido.Acerta de tais verificações, pode-se afirmar que deve-se ficar atento ao local da acepção de tal lexia e ao que ela remete, para que, ao dirigir-se aos interlocutores de tais locais , saiba-se se está referindo à travesti ou a prostituta.BIBLIOGRAFIAORLANDI, Eni Pulcinelli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 2.ed. Campinas: Pontes, 1987. PRETI, Dino. A sociolingüística e o fenômeno da diversidade na língua de um grupo social. Dialetos sociais e níveis da fala ou registros.in Sociolingüística: os níveis da fala. São Paulo: Nacional, 1982, p. 1-41.___________A gíria: um signo de agressão e defesa na sociedade In. A gíria e outros temas. São Paulo: T. A. Queiroz: Universidade de São Paulo, 1984, p. 1-9.__________ O vocabulário técnico, a gíria e a linguagem obscena: perspectivas sociolingüísticas de seu estudo. In. gíria e outros temas. São Paulo: T. A. Queiroz: USP, 1984, p.11-37.__________ A linguagem proibida: um estudo sobre a linguagem erótica. São Paulo: USP, 1984.__________ A gíria na cidade grande. Revista da Biblioteca Mário de Andrade – São Paulo: Signos e Personagens. São Paulo, 1996.__________ Gíria e agressividade. In KOCH, I. e BARROS, K. de (orgs). Tópicos em lingüística de texto e análise da conversação. Natal: UFRN, 1997.___________ A gíria na sociedade contemporânea. In VALENTE, A. (org.). Língua, lingüística e literatura. Rio de Janeiro: UERJ, 1998, p.119-128.__________ Gíria: um capítulo da história social da linguagem. In BARROS, K. de. (org.). Produção textual – interação, processamento, variação. Natal: EDUFRN, 1999.RUBIO, Florêncio Cássio. Estudo: por uma definição da variante estigmatizada na concordância verbal : a atuação da variável gênero/sexo. / Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – Universidade Estadual Paulista – São José do Rio Preto – SP – Brasil. 2001.SILVA, G. M. de O. e VOTRE, S. J. Estudos Sociolingüísticos no Rio de Janeiro. D.E.L.T.A., 1991. 7.(1): 357-76.TISDALE, S. Sussurre Coisas Eróticas para Mim. Rio de Janeiro: Objetiva. 1995, p.12. [1] - Entrevista concedida em 15 de março de 2005, Entrevista com o professor Dino Preti “UM PESQUISADOR PIONEIRO, PREMIADO E...COISA INÉDITA NOS MEIOS ACADÊMICOS...MUITO HUMILDE” na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. por Renira Cirelli Appa. / . Acesso dia 02 de janeiro de 2008 em www.letramagna.com/dinoentre.htm

ESTUDO FRACASSADO DE LINGUÍSTICA III

ESTUDO LINGUÍSTICO : O PÂNDEGO SOCIOLETO DOS BOTEQUINS E BARES AFINS OU COMO FUGIR DAS PEGADINHAS VOCABULARES DOS PÉS-SUJOS MAIS ASQUEROSOS

Se algum transeunte sinistro, ao deparar-se com você dentro de um botequim pé-sujo, começar a fazer-lhe perguntas aparentemente inocentes, cuidado ! Ele pode estar, na realidade, fazendo de você , cientificamente falando, um interlocutor relapso e mocorongo. Traduzindo para os leigos: - VOCÊ PODE ESTAR SENDO FEITO DE OTÁRIO.

Através de exaustivas e incessantes pesquisas e laboratórios in loco, desenvolvi o que denominei de Perspicaz e Revolucionária Técnica de Conversão Lingüística “ Não Caio Mais Nessa”– [PRTCLNCMN ] [1], onde podemos descobrir quando algum pinguço de botequim está usando-nos para fazer piadas de mau gosto, com trocadilhos infames e humilhantes, para que os outros cachaceiros fiquem rindo da nossa cara. Dominando esta técnica, você poderá verificar que algumas frases, aparentemente inocentes, são na verdade extremamente sacaneadoras ( ou capciosas, na linguagem científica ).

Todas as vezes, se exceção, em que fui em um botequim, tive a oportunidade de gravar ( escondido, com um mini-gravador na lapela) relatos dos frequentadores quando comunicavam comigo. Esses relatos que para mim antes da pesquisa não passavam de perguntas inocentes, feitas por recém-amigos, depois de gravados, levados para o laboratório de análises e transcritos mudaram completamente de significado: de perguntas aparentemente carinhosas e amigáveis, tornaram-se horrorosos deboches e infâmias.

Veja, nas frases abaixo que coletei, que os, aparentemente ingênuos, enunciados (1 [FRASE “MAL-DITA” ]) após sofrerem o processo da revolucionária técnica (2 [PRTCLNCMN]), transformam-se nos reais , e torpes, significados (3 [RESULTADO]) .

(1 [FRASE “MAL-DITA” ] ) - Soube que você cria largato. Seu largato mama?
(2 [PRTCLNCMN ]) - Se eu largar [ o pênis], tu mamas?
(3 [RESULTADO]) - Se eu estiver segurando o meu pênis com uma das mãos e soltá-lo repentinamente, você, um notório criador de lagartos mamíferos raros, fará sexo oral em mim?

(1 [FRASE “MAL-DITA” ] ) - Felicidade minha é espetáculo seu...
(2 [PRTCLNCMN ]) - Felicidade minha é espetar o cu seu.
(3 [RESULTADO]) - A consagração da minha felicidade é seccionar a ponta do meu pênis no seu ânus, sucessivamente, até irritá-lo, fazendo disso um espetáculo.

(1 [FRASE “MAL-DITA” ] ) - Em caminho de paca tatu caminha dentro ?
(2 [PRTCLNCMN ]) - Em caminho de paca, estás tu com a minha dentro ?
(3 [RESULTADO]) - Se, hipoteticamente, caminhando pela floresta, eu e você depararmos com um tatu percorrendo, por incrível que pareça, um rastro de uma paca, qual será a probabilidade de , comemorando esta descoberta, você deixar eu introduzir minha genitália (pênis) dentro do seu ânus ?

(1 [FRASE “MAL-DITA” ] ) - Engordei. Agora estou com mais barriga e com menas bunda.
(2 [PRTCLNCMN ]) - Engordei. Agora, estou com mais barriga e ... comendo as bundas!!
(3 [RESULTADO]) Mesmo tendo engordado e, conseqüentemente, adquirido mais gordura localizada na região abdominal , incrivelmente sofri uma redução de massa gordurosa na região glútea. Por conta dessa minha absurda anormalidade, tornei-me uma aberração famosa e estou introduzindo meu pênis em diferentes ânus, com mais freqüência do que antes.

(1 [FRASE “MAL-DITA” ] ) - Vocês gostam de comer doce-cuzcuz? Se vocês gostam de comer carré, eu prefiro comer nabo-seco e quiabo-cru.
(2 [PRTCLNCMN ]) - Vocês gostam de comer doces com os cus? Se vocês gostam de comer com a ré (com o ânus), eu prefiro comer na boceta e que abram o cu.
(3 [RESULTADO]) - Vocês gostam de introduzir guloseimas nos seus ânus? Se vocês gostam de introduzir objetos estranhos na parte retro-lombar do seu corpo, eu prefiro fazer sexo, introduzindo o meu pênis em uma vagina, desde que a parceira ofereça-me sexo anal.

(1 [FRASE “MAL-DITA” ] ) - Setembro chove?
(2) - [PRTCLNCMN ] - Cê tem brochove?
(3 [RESULTADO]) -Você sofre de impotência sexual, principalmente no período de 01 à 31 de de setembro ?

(1 [FRASE “MAL-DITA” ] ) - Acho que vai chover, veja se está passando um baita nuvão preto, aí.
(2 [PRTCLNCMN ]) - Acho que vai chover, veja se está passando um baita no vão preto, aí.
(3 [RESULTADO]) - Acho que vai chover. Verifique, por você mesmo, se está passando um enorme pênis no seu ânus imundo e fedorento, e aproveite a chuva para limpá-lo, seu porco!

(1 [FRASE “MAL-DITA” ] ) - Soube que eu estive muito doente ultimamente? Titrepossemia , “pus no cu”. Peguei da merda do gato. Tômió.
(2 [PRTCLNCMN ]) - Soube que eu estive muito doente ultimamente? Te trepo e você mia, pus no seu ânus. Tome, ó !
(3 [RESULTADO]) - Soube que eu estive muito doente ultimamente? Contraí essa doença introduzindo o meu pênis no ânus de um gato sujo. Eu disse pro bichinho : “Eu te trepo e você mia”. Olhe para o meu pênis e veja como eu melhorei !

(1 [FRASE “MAL-DITA” ] ) - Que calor , einh?!? Um calor desses se sente em qualquer lugar, até cavalo na bunda sua !!
(2 [PRTCLNCMN ]) - Que calor , einh?!? Um calor desses e senta-se em tudo quanto é lugar, até em cacete de cavalo!!
(3 [RESULTADO]) - Que calor , einh?!? Tu tem um fogo no rabo mesmo einh ô viadinho filha-da-puta , fica dando essa bunda em tudo quanto é lugar, até pra cavalo você andou dando esse rabo!!

VEREADOR FRACASSADO

Quis candidatar-me a uma vaga de vereador na minha cidade e tive dificuldades para conseguir levar o projeto adiante. Criei um nome bem impactante para usar na campanha, e já tinha até o slogan:

“Para Vereador, Fernandes Honesto. Roubando com honestidade!".

Fernandes Honesto é o único candidato que cumpre o que promete:

Prometo, se eleito, participar de todas as mamatas, compras sem licitações, negociatas, desvios, falcatruas, roubos, canalhices, mentiras, sujeiras, corrupções, superfaturamentos....E se eu não cumprir o prometido, podem mandar me prender !

Minha proposta de governo:

Como Fernandes exercerá seu mandato :- “No dia da minha posse, jurarei descumprir a Constituição Federal, a Constituição Estadual e a Lei Orgânica Municipal (a Lei Maior do Município), não observar as leis, não desempenhar o mandato e trabalhar pelo regresso do Município e o mal estar do povo . ”

Função Legislativa - “Elaborarei leis esdrúxulas e desnecessárias , votarei sem analisar os projetos de lei enviados pelo prefeito. Proporei projetos que impliquem em criação de novas despesas para o município, facilitando o desvio de verbas. Não participarei das votações e discussões em plenário - onde são travados os grandes debates -, nem me posicionarei politicamente, fugindo de pronunciamentos. Serei tão ordinário que nunca participarei de sessões Ordinárias nem Extraordinárias.

Função Fiscalizadora – “Não fiscalizarei e nem controlarei os atos do Executivo (prefeitos e secretários municipais). Ao julgar as contas do prefeito; não encaminharei nenhum pedido de informação sobre a administração municipal ,quando alguma ação do prefeito não tiver sido devidamente divulgada. Em caso de suspeitas de irregularidades não criarei Comissões de Inquéritos para apuração dos fatos ,em troca de favores com o prefeito. Sairei de sintonia com seus Dirigentes, Lideranças e Correligionários do meu partido, faltarei à Reuniões de bancada, de diretório e mesmo de discussão de estratégias.Contrariarei o regimento interno. Participarei de todas as negociatas. Sabem o que é negociata ? É todo bom negócio para o qual ainda não fomos convidados.

Função Judiciária – “Ao exercer a função judiciária num eventual processo ao prefeito e os secretários, farei vista grossa, omitindo, burlando e falsificando informações para assim inverter a situação, tornando-o um mártir injustiçado.Ao perguntarem-me sobre as Moções ( Proposição Legislativa pelo qual o Vereador expressa seu Reconhecimento, Congratulação, Louvor, Pesar ou Repúdio). Direi que moção pra mim é “Moça Grande”. E fim de papo !

Função de Assessoramento - “As medidas de interesse público que a mim forem designadas para encaminhamento ao prefeito, como; obras , construção ou reformas de ruas, limpeza de vias públicas, melhorias dos serviços de saúde, serão cuidadosamente jogadas na lata de lixo, sendo substituídas por outras , que , mesmo não sendo de interesse público, serão somente do meu interesse .Serei o elo partido entre o Governo e o Povo. As minhas Cartas Abertas (informar sobre os Atos e Projetos do Vereador.) à população serão mais fechadas do que mão de vaca.

Função Administrativa – “Desorganizarei os serviços da Câmara. Subornarei a todos,Isso inclui a escolha da mesa, a constituição das comissões, a organização da secretaria e a contratação de seus serviços. Minhas Audiências Públicas serão privadas. Ao integrar uma ou mais Comissões Permanentes da Casa, desapreciarei os Projetos específicos da área a que se dedica essa comissão. Quando necessitar de quórum para alguma votação, alugarei uma Van e levarei 2/3 do plenário para pegar uma praia , azarar uma minas e tomar umas cervejas contrariando o regimento interno. Rasgarei a Lei Orgânica ( Constituição Municipal. Um conjunto de Leis que regulamentam o Município. Tem de estar de acordo com as Constituições Estadual e Federal, sendo subordinada às mesmas) em mil pedacinhos , usando-a como adubo orgânico nos vasinhos de plantas da Câmara.Projetos de Lei? Só se for da Lei-do-cão!

Bem sincera minha campanha, não é ? O problema é que mesmo preenchendo todos os pré-requisitos para a candidatura, não consegui levar a cabo meu projeto. Tive o maior trabalho para me informar a respeito dos procedimentos legais, e pesquisei:

No Brasil, a lei eleitoral é bastante clara: para se candidatar a um cargo político, o cidadão deve estar filiado a um partido político a pelo menos um ano, ser maior de 18 anos, para candidatar-se ao cargo de vereador, prefeito, governador, deputado federal e estadual e maior de 35 anos, para o cargo de Senador e Presidente da Repúblíca. O futuro candidato não poderia ter nenhum processo pendente, nem civil e nem criminal.

Sim! Eu, até aqui, preenchia todos os requisitos!

Confirmei que não havia candidato independente ou candidatura avulsa. Somente através de um partido político que eu poderia pleitear o registro de minha candidatura.
Aí, eu procurei saber sobre filiação em partidos, onde descobri que, para que eu pudesse filiar-me a um partido político, a primeira condição é que eu deveria ser eleitor no município onde desejasse me inscrever. Só podendo filiar-me a algum partido se eu estivesse em pleno gozo dos direitos políticos.

Sim! Eu estava em pleno gozo!

Descobri, também, que havia regras estatutárias de cada partido e, ao inscrever-me, após um ano de filiação, para poder candidatar-me, eu já deveria de antemão apresentar ao partido a minha proposta de governo como vereador.

Moleza! Minha plataforma já tava na palma da mão!

Fiquei sabendo também que estavam proibidos de se filiarem a partido político os militares, magistrados e promotores de justiça.

Eu não era militar, nem magistrado, nem promotor de justiça.

Beleza!

Vi que os partidos políticos devem encaminhar aos Cartórios Eleitorais relação dos filiados, nas segundas semanas (8/14) dos meses de abril e outubro. Esta relação deveria conter os nomes de todos os filiados, número de título e seções, para fim de arquivamento e publicação.

Parti, então, para os comitês dos partidos para poder afiliar-me e, já de antemão, apresentar a minha futura proposta de candidatura a vereador.

Meu propósito era candidata-me. Somente isso. Em qualquer partido que fosse, por isso fui em todos, sem exceção, apresentar a minha plataforma de governo. Diante da unânime recusa, e da decepção de não ser aceito em nenhuma, cheguei a conclusão de que teria que fundar o meu próprio partido político. Mas aí já é outra história.

FOTÓGRAFO FRACASSADO

Certa vez , por volta de 1990, quando eu trabalhava como office-boy em um escritório de contabilidade - função esta que fazia-me andar cerca de 4 horas de ônibus diariamente - , ouvi de um cobrador de ônibus a seguinte frase: “Nesta vida tudo é passageiro, exceto o cobrador e o motorista”. Todos ao meu redor riram, inclusive eu, da ingênua piadinha. Desci do ônibus com a frase na cabeça e fiquei pensando durante um bom tempo naquela situação; minha vida passando como passageiro de ônibus, olhando pela janela os postes, as pessoas na rua , a paisagem, os lugares. Ficava pensando na efemeridade das imagens retidas momentaneamente na minha retina, imagens que, eu tinha certeza, nunca mais veria novamente, do mesmo modo.

Mesmo que eu passasse no mesmo local, repetidas vezes, a imagem seria outra. Intrigava-me, também, um instantâneo contato visual que eu estabelecia , às vezes, com pessoas sentadas em outros ônibus, emparelhados com o que eu estava, em pleno trânsito ( centro do Rio de Janeiro, de São Paulo...). Ao olhar, por uma fração de segundos, nos olhos destas pessoas - homens, mulheres, idosos, crianças - eu pensava: “Qual a probabilidade de eu conseguir ver esta pessoa outra vez na minha vida? Talvez , nunca. Provavelmente, nunca. Com certeza, nunca. Qual seria o nome dessa pessoa? Qual a sua história de vida? Quem sabe ela, ao me olhar, também não estivesse pensando a mesma coisa? Concluí, com isso, que as pessoas são assim; passam pela vida da gente e, num instante seguinte, nunca mais as veremos.

Entendi na simples anedota do cobrador, uma linda metáfora . A viagem de ônibus olhando o mundo pela janela como uma metáfora para a vida. Fascinava-me ficar contemplando aqueles flashes de vida emoldurados pela janela do ônibus.

Como, na época, eu já havia começado a interessar-me por fotografia , resolvi registrar estes instantes na lente de uma câmera. Comecei a fotografar tudo o que via de interessante e, ao longo desses 16 anos, selecionei algumas, na tentativa de tentar fazer com que as pessoas pudessem ver o que eu havia visto, pudessem compartilhar comigo dessa tentativa de visão da vida. Da vida alheia. Da nossa própria vida. Da vida que o passageiro ( seja turista ou trabalhador) vê passar.Vi, nesses anos percorridos, a minha vida passando pela janela dos ônibus através dos meus olhos, as janelas da alma.

Foram cerca de 216 mil quilômetros, percorridos pelas estradas urbanas e rurais do Brasil como mero espectador, que somos, dos instantâneos da vida.

Neste road-bus-movie vi alegria, tristeza, pobreza, riqueza, sexo, esperança, morte, dor , poeira,desespero , frio, calor, cansaço, medo, saudade, despedida, amor e cheguei ao fim da linha desta viagem certo de uma coisa: vi a estrada da vida ficando para trás, cenas únicas que, tenho certeza, não verei jamais.

Pois como canta Bob Marley na música Babylon by Bus: “Open your eyes and look within.”

Não tirei nenhuma foto.

PARANORMAL FRACASSADO

Março de 1989 – 13 anos e nove meses de idade

Tinha descoberto um talento meu: Eu era paranormal. Isso mesmo, paranormal.

Tava feliz e assutado, ser paranormal era a maior responsabilidade.

Descobrira por acaso.

Conto.

Numa certa tarde que quando eu estava vendo a novela Ti-Ti-Ti, me deu uma sensação estranha, uma vertigem que passou assim que entraram os comerciais.

Parada estranha. Parar assim de repente, justamente quando havia terminado o quadro da novela e entrado os comerciais. Deixei pra lá, continuei assistindo lá os comerciais até a novela voltar. O velho Plim-plim e recomeça a novela. Era o último bloco, aquele que, nessa época, nas novelas da Globo, terminava com cenas do próximo capítulo.

Terminei de ver a novela e até esquecera do ocorrido há minutos atrás.

Porém, no dia seguinte, aconteceu a mesma coisa: sensação estranha, uma vertigem que passou assim que entraram os comerciais E ERA NO PENÚLTIMO BLOCO ! Como acontecera no dia anterior.

E assim foi acontecendo sucessivamente dia após dia. Passei a anotar : Todas as vertigens davam-se no exato momento que terminava o penúltimo bloco antes dos comerciais que emendariam com o último bloco.

Percebendo essa façanha comecei a avisar quem estivesse ao meu lado:

- Ahh, já vai acabar a novela, o próximo bloco será o último.

Pra incredulidade de quem estivesse perto, minha previsão sempre se confirmava, o próximo bloco sempre era o último.

Daí em diante tinha a certeza: era um paranormal. Uma paranormalidade que, reconhecia, não tinha uma utilidade muito prática. Uri Gueller tava lá entortando colher, famosão na televisão, o mundo inteiro vendo, e eu era o que sabia descobrir quando ia entrar o último capítulo de Ti-ti-ti.

Eu nem precisava estar olhando pra televisão, bastava eu estar na cozinha lavando louça, por exemplo, que eu gritava pra minha mãe na sala de televisão: “MÃE , JÁ VAI ACABAR A NOVELA !!”

Que era paranormal eu não tinha dúvidas, mas como ficaria famoso por isso?

Participar de um programa de calouros? No programa do Silvio Santos na TVS não daria, lógico.
Imaginei o Sílvio Santos me anunciando: “ VEJAM O INCRÍVEL RAPAZ QUE DESCOBRE QUANDO VAI ENTRAR O ÚLTIMO CAPÍTULO DA NOVELA Ti-Ti-Ti.

Pô, impossível, o cara era concorrente da Globo e anunciar o nome na novela da emissora adversária.

Descartei então essa possibilidade.

Mandei várias cartas pro programa do Chacrinha e não recebi nenhuma resposta.

O que me restou foi passar a cobrar uma graninha da molecada da vizinhança pra presenciar meu excepcional fenômeno paranormal. Depois eles começaram a ficar de saco cheio e foram desistindo.

- Aê, cê não faz outras coisas paranormais não ? – exclamou um deles.

Comecei a ficar desmoralizado entre a molecada.

- É mesmo, já tá saindo caro esse negócio da gente vir aqui só pra ver você adivinhar quando vai entrar o último capítulo da novela. Eu nem gosto de novela e tenho que ficar vendo essa merda toda até você vir com a tal adivinhação, já to a semana inteira pagando e já ta acabando minha mesada ! - disse o Lu, meu melhor amigo na época.

Até que o Boca que tinha lábio leporino, o mais velho entre a gente, disse:

- Pó, é até legal esse palanormal seu mas maneiro mesmo foi o que um cala fez ontem à noite lá na quadla onde a gente joga bola. Um cara velhão, chileno, de uns cinquenta anos. Pegou uma moeda e colocou na palma da minha mão, fechou, colocou a mão dele em volta da minha, apeltou com folça, começou a tlemer, disse que tava mentalizando e, pro nosso espanto, quando eu abli a mão, a moeda tava dobladinha, amassadinha!

- Você tá de brincadeira com minha cara! – exclamei.

- Não tô não, é sélio, selíssimo!

- Cê jura?

- Julo !

E continuou:

- Só tinha uns quatlo moleques lá na hola, a maiolia da molecada da rua tá vindo à noitinha aqui na sua casa pra ver sua palanolmalidade, mas os quatlo que estavam lá podem confirmar : O Bluno, o Sombla, o Daniel e o Léo, pelgunta pla eles!! E hoje o chileno vai estar lá de novo. É que vai ter um show do Daniel Azulai no Barra Tênis Clube e ele disse que ele é que é a Chicólia e que ele vai ficar até o fim de semana na cidade.

Caramba!, pensei. Vou conhecer um outro paranormal. Um profissional. E ainda por cima ele que faz a Chicória na turma do Lambe-lambe ! Sou o maior fã da Chicória ! Tenho que conhecer esse cara !

No dia seguinte, ansioso , fui imediatamente pra quadra no horário que ele apareceria.

E ele apareceu.

Nervoso, tremendo fui em sua direção e já fui logo falando : “Senhor Chicória, sou paranormal como o senhor e sou seu maior fã. Eu queria que o senhor me ajudasse a compreender o que está acontecendo comigo. Sou o único paranormal do meu bairro. Preciso da sua ajuda...”

- Calma rapaz, calmito ! – disse meu ídolo num estranho sotaque meio português, meio espanhol. - És una persona especial como jo, não tengas miedo disso ! Vou mostrar-lhe meu fenomenál entortamento de moeda.. Dê-me cá uma moeda...

- Seu Chicória, - interrompi - eu queria saber que o senhor faz outro fenômeno paranormal além desse, esse eu já sei que o senhor sabe fazer. Eu queria saber se nós paranormais somos capazes de efetuar mais de um fenômeno, porque até agora eu só sei fazer um. E o senhor ?

- Mio rapazito, la paranormalidad és uma virtude única. La sua há de desenvolver-se ao logo de sua vida. Tengas calma que outros fenômenos aparecerão... – disse meu ídolo e filósofo Chicória.

- Executarei um fenômeno paranormal que guardo para apresentar para outros paranormais, como ti. Tengas atencion...

Putz ! Tava lá eu sozinho com o meu ídolo ,o Chicória, de igual para igual, papo de paranormal para paranormal, prestes a presenciar um fenômeno que poucos paranormais, como eu, poderiam ver.

- Olhe fixamente para meu dedo polegar e indicador... – disse , aproximando a mão perto dos meus olhos e esfregando lentamente as pontas do polegar e do indicador da mão direita ( daquele jeito que a gente faz quando ta se referindo à dinheiro ).

- Perceba que não há nada na minha mão, somente meus dedos esfregando um no outro. Olhe fixamente, olhe fixamente...

Estático fui prestando atenção no movimento, vendo o atrito da ponta dos seus dedos bem perto do meu rosto... nem piscava, olhava atentamente, até que de repente COMEÇOU A SAIR FUMAÇA POR ENTRE SEUS DEDOS !! ISSO MESMO! UMA FUMAÇA CINZA! E NÃO PARAVA DE SAIR FUMAÇA...CADA VEZ MAIS !!

Comecei a tremer de nervoso. Muito eufórico gritei : CARAMBA ! ISSO É QUE É PARANORMALIDADE ! VOCÊ É O MAXIMO CARA!

Repentinamente o chicória abaixou as mãos, virou-se de costas , foi andando e disse ao olhar pra trás:

- Mio rapazito, la paranormalidad és uma virtude única. La sua há de desenvolver-se ao logo de sua vida. Tengas calma que outros fenômenos aparecerão...

E foi embora.

Nesse dia, 14 de março de 1989, às 18 horas e vinte e seis minutos eu tivera uma certeza: Presenciara uma das coisas mais magníficas da minha vida.

Dezoito anos depois, eu já com 32 anos, bêbado em um bar, cheio de cachaceiros pés inchados à minha volta, ouço de dois pinguços velhos que estavam encostados no balcão , ao meu lado:

- Rapaz, acreditas que tem gente que crê em fenômenos metafísicos por causas de besteiras como estas:

E pegou uns cincos palitinhos de fósforo, com a unha descascou a pólvora da cabecinha dos palitos, pegou aquele pozinho, molhou em um pingo de cerveja, fez uma espécie de lama, esfregou essa lama molhada na ponta do polegar e do indicador e disse baixinho pro outro pinguço:

- Esper e só , daqui há uns três minutos, essa lama secar na ponta do meus dedos que você vai ver que a gente vai tomar unas cervejas de gratuitamente.

- Pó, Paraguaio essa até eu pago pra ver.

Passaram-se os tais três minutos, eu ainda atento na conversa, e ele gritou:

- JO SOU PARANORMAL ! QUEM ME PAGA UNA CERVEZA SE EU SOLTAR FUMAÇA POR ENTRE LOS DEDOS ? PUEDEM OLHAR, NÃO TIEM CIGARRO NENHUM NA MINHA MÃO, NENHUM TRUQUE ! SOU PARANORMAL ! QUEM ME PAGA UMA CERVEJA SE EU FIZER ISSO?

A pinguçada toda foi lá conferir e constatar que realmente não havia nada na mão dele e começaram e berrar:

- ESSA EU QUERO VER, EU PAGO DUAS CERVEJAS, disse um deles sentado na mesa.

- DUVIDO ! SE SAIR FUMAÇA DA SUA MÃO EU PAGO UMA CERVEJA E UMA PINGA, disse um outro mais pra lá do que pra cá.

E assim quase todos concordaram em pagar cervejas e mais cervejas pro dito paranormal.

Até que ele chegou pro meio do botequim, arregaçou as duas mangas da camisa e começou a ponta do dedo polegar e indicador da mão direita:

- Olhem fixamente para meu dedo polegar e indicador... – disse , aproximando a mão perto dos olhos dos pinguços e esfregando lentamente as pontas do polegar e do indicador da mão direita ( daquele jeito que a gente faz quando tá se referindo à dinheiro ).

- Perciebam que não hás nada na minha mão, somiente meus dedos esfregando um no outro. Olhem fixamente, olhem fixamente...

Estáticos, todos foram prestando atenção no movimento, vendo o atrito da ponta dos seus dedos bem perto do seus rostos... nem piscavam, olhavam atentamente, até que de repente começou a sair fumaça por entre seus dedos !! isso mesmo! uma fumaça cinza! e não parava de sair fumaça...cada vez mais !!

Foi uma algazarra total. A pinguçada toda fazendo festa, pagando cerveja...

Eu paguei a minha pinga, saí de dentro do bar. Fui andando cambaleando bêbado pela calçada e pensei

“ Será que já começou a novela?”