Faço um desabafo, dizendo que, por falta de coragem e de obstinação, eu desistira de levar adiante um projeto de estudo acadêmico que pretendera desenvolver acerca do tema PALAVRÃO. Tema do qual, provocaria sérias controvérsias na instituição, e que poria até em risco sua credibilidade como futuro pesquisador. Logo após, sigo com a transcrição de uma carta-declaração que, na véspera da ocasião da defesa da referida pesquisa, apresentara à direção do curso desistindo de continuá-lo, seguida de um resumo do que seria o tal nefando estudo. Que segue:
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DECLARAÇÃO
Eu, Alexandre Coimbra Gomes, graduando do 4° ano de Letras desta Veneranda Instituição, e futuro professor de Língua Portuguesa e suas Literaturas, acuado diante do risco de sofrer uma esculhambação geral por parte dos ilustres companheiros de ofício (e, também, propagadores do bom uso e do amálgama da nossa Língua ), desisto desta lamentável apresentação sobre “o palavrão” e declaro recuar, como um pobre-coitado, a fim de defender minha reputação perante vocês.Sob o risco de incorrer em uma pesquisa espúria, em que “o tiro poderia sair pela culatra”, assumo que vali-me de total pudicícia para tomar tal resolução.Livro-os deste aperitivo de mau gosto do nosso ramo, evitando, assim, algum tipo de encrenca.Aqui fica meu testemunho.Por favor, não fiquem enfezados comigo.
Peço desculpas,
Alexandre Coimbra Gomes
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Querido Reitor, o resumo do referido projeto consistiria , após apresentá-lo como ante-projeto, no desrespeitoso e absurdo tema que segue:Português Culto x Português Vulgar :- a importância e o uso do chulo pelos cânones literários em suas obras . O presente trabalho pretende, livrando-se dos tabus que sempre cercearam estudos de tamanha relevância, redimensionar o quão necessário foi, e é, a importância dos palavrões para os autores da literatura de língua portuguesa, ditos canônicos, como forma de expressão, discutindo assim a utilização da linguagem chula , popular pela linguagem erudita ( e sua literatura ).
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Neste blasfemo estudo, Senhor Reitor, antes de dar início à pesquisa propriamente dita, eu pretenderia ( Olha que atitude mais ingênua e anti-acadêmica da minha parte!) corroborar uma suposta importância científica acerca do tema PALAVRÃO a partir de citações ( que eu denominara idiotamente como “Palavrinhas sobre palavrões”) como as a seguir:
“ Em ciência não há problema moral: qualquer pesquisa é válida desde que os objetivos sejam científicos”DINO PRETI –(professor da USP no livro “A Linguagem Proibida”.)
“Não vulgarizemos o palavrão (...)o palavrão há de constituir zona de segurança, um refúgio a ser utilizado (...), quase in extremis. Se banalizá-lo, na hora do sufoco vai-se usar o quê? Tiros, certamente.”SOARES FEITOSA –( escritor , em entrevista ao site Jornal de poesia)
“ O palavrão para o escritor burguês abre as portas para que se discuta com mais propriedades determinados temas qua são tabus, (...)sem luvas de pelica.”SILVIANO SANTIAGO – (escritor em entrevista sobre o seu livro “O Falso Mentiroso”)
“ (...) o primeiro ato civilizatório teria ocorrido quando, em vez de responder ao impulso de eliminar fisicamente a alguém que o tenha desagradado, o ser humano pré-histórico xingou aquele outro”SIGMUND FREUD – (o pai da psicanálise, no livro “O mal estar da civilização”)
“ A alegação de algumas palavra são tão deletérias a ponto de não poderem ser escritas é usada em todas as tentativas de impedir a liberdade de expressão (...).”RUBEM FONSECA – (escritor, no conto “Intestino Grosso”)
“ O palavrão é fundamentalmente necessário como meio de descarga emotiva. Não é apenas uma palavra, mas um campo magnético no qual o sentido é secundário em relação às suas linhas de força. ”(...) “ (...).o português é uma língua pobre em palavrões. Muito rico é o espanhol, que possui o maior número e os mais eficientes. O italiano não fica muito atrás, inclusive com uma grande variedade de blasfêmias. A mais pobre é o alemão. Talvez por isso, de vez em quando, os alemães precisem de guerras .”HALMILCAR DE GARCIA – (dicionarista e coordenador brasileiro do dicionário Caldas Aulete, em entrevista a Edilberto Coutinho, revista Fatos e Fotos Gente nº 735/1975)
“ Imaginad lo que pasaria em medicina si los médicos negaram atención a muchas inmundicias ( físicas y morales) que tienen que considerar”DÁMASO ALONSO – ( psicanalista chileno, citado por Camilo José Cela, em Diccionário Secreto)
“ (...) as sociedades ambiciosas detestam temas escatológicos e vivem obcecadas com eles”NORMAN MAILER – (escritor americano, na introdução do livro Erotismo na Literatura Brasileira, citado pelo dramaturgo Agnaldo Silva)
“ O palavrão é elemento útil para a caracterização do ethos de uma sociedade ou das constantes de uma cultura ou da identificação de um tempo social.”GILBERTO FREYRE - (autor de casa Grande e Senzala, no prefácio do livro “ Dicionário do Palavrão e termos afins”.)
“Não é qualquer um que consegue usá-lo ( o palavrão) bem; seu emprego é uma arte”ODUVALDO VIANA – teatrólogo, ao Diário de notícias em 14 de outubro de 1967.
“(...) falar palavrão é coisa séria, muito mais séria do que se imagina. (...) O palavrão deve ser usado como um sentimento muito forte de injúria. Para mim, usar um palavrão fora de hora é como marido e mulher irem a um motel. O motel foi feito para os amores clandestinos. Fazer amor legal no motel? Ora, faça-me o favor!”JOSÉ PAULO PAES – (poeta e escritor brasileiro em entrevista para a Veja, em 3 de abril de 1986 )
“ (...) a raiz latina de pudenta – os nossos genitais – significa ‘ envergonhar-se`. ficamos divididos entre o pudor e os abençoados prazeres do corpo, vivendo em meio a uma proliferação de imagens sexuais que nos causam ao mesmo tempo prazer e vergonha.”SALLIE TISDALE – ( do livro “Sussurre coisas eróticas pra mim”de 1985)
“Os palavrões possuem um poder de gerar alucinações, já que provocam a representação da cena sexual,das secreções e dos fuidos corporais, ou do órgão de uma forma clara à realidade”ARIEL ARANGO – ( psicanalista argentino no livro “As virtudes terapêuticas dos palavrões “.)
“A linguagem obscena, ou seja, os palavrões, seria transgressora , em alguma medida, por rebelar-se contra o engessamento emocional, promovido pelo que se convencionou chamar de “ bons costumes” (..) com isso, a linguagem obscena se presta a promover a liberação da agressividade, às vezes representando ela mesma a agressão” PAULO BESSA DA SILVA ( professor da UMESP no artigo “ linguagem obscena”)
“(...) mas não adianta consultar dicionários. em inglês, como em português, os dicionários continuam pudicos por princípio e atrasados por motivos técnicos.”MILLÔR FERNANDES – ( jornalista e escritor, in epígrafe do livro Dicionarinho do palavrão e correlatos” de Glauco Mattoso, em 1990)
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A partir daí, Senhor Reitor, é que eu finalmente analisaria os seguintes poemas:
Em face dos últimos acontecimentos
Oh! sejamos pornográficos(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castosque o nosso avô português?
Oh! sejamos navegantes,bandeirantes e guerreiros
sejamos tudo que quiserem,sobretudo pornográficos.
A tarde pode ser triste e as mulheres podem doer como dói um soco no olho
(pornográficos, pornográficos).
Teus amigos estão sorrindode tua última resolução.
Pensavam que o suicídio fosse a última resolução.Não compreendem, coitados,que o melhor é ser pornográfico.
Propõe isso ao teu vizinho,ao condutor do teu bonde,a todas as criaturas
que são inúteis e existem,
propõe ao homem de óculose à mulher da trouxa de roupa.
Dize a todos: Meus irmãos,não quereis ser pornográficos?
( Carlos Drummond de Andrade)
9 CENSURADO [1999]
Sabendo que a censura não me trava,
pediram-me um soneto sem calão
pra pôr na antologia de salão
que o tal do [censurado] organizava.
Queriam até tônica na oitava,
mas nada de recurso ao palavrão.
Usei o ingrediente mais à mão,
porém sem [censurado] não passava.
Desisto. Quanto mais remendos meto,
mais roto vai ficando o [censurado].
Poema não é texto de panfleto
pra ter que se estampar todo truncado!
Pois esta [censurado] de soneto
que vá pra [censurado] [censurado]!
(Glauco Mattoso)
100 PROIBIDO
Tabus são mui comuns em todo o mundo.
Na China não se pode ter irmão.
Em Cuba, ser de esquerda é obrigação e,
nos States, nada está em segundo.
Não deve um escritor ser tão profundo
a ponto de ocultar toda a intenção;
Nem é-lhe permitido o palavrão,
a fim de não ferir o pudibundo.
Em suma, se correr o bicho pega,
se fica o bicho come, não tem jeito.
Mas cego que é poeta não se entrega:
Se não existe fama sem proveito,
já basta o que a cegueira me sonega!
Sou chulo e reconheço meu defeito
(Glauco Mattoso)
Portanto, Senhor Reitor, neste ato de claro arrependimento, venho por meio desta, pedir o redirecionamento do objeto do meu estudo para outro em que sua nobreza de tema faça juz à seriedade dessa instituição.
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Alexandre, nós do blog os Bacharéis em Baixarias ( bachareisembaixaria.blospot.com) lemos e publicamos, como vê, todo o seu e-mail, mas gostaríamos de fazer algumas observações acerca justamente do tema que você, por critérios pessoais, desistiu de continuar a pesquisar (e que respeitamos o ato). O Reitor e os Professores desta “Veneranda Instituição” após terem lido a sua “DECLARAÇÃO”, acataram o pedido e até disseram terem adorado texto, como você nos disse. Mas nós os Bacharéis somos, como pode evidentemente perceber, especialistas em perceber baixarias nos mais recôndidos, obscuros e eruditos meios intelectuais. Esse é o nosso verdadeiro papel. Lamentável que o tal Senhor Reitor e os Venerados ( ou Venerandos? Sei lá, já me confundi com essa baboseira toda) Professores tenham concordado que você tivesse que se distanciar do tema palavrão, tenham lido e gostado do texto da sua DECLARAÇÃO e não tenham percebido algo importantíssimo:
SUA DECLARAÇÃO ESTAVA REPLETA DE PALAVRÕES!
Isso mesmo rapaz!Sem querer vocês pregou-lhes uma peça. Após termos feitos minunciosas análises etimológicas de cada palavra, verificamos que, na hipocrisia dessa atmosfera acadêmica, todos acabaram aplaudindo, sem perceber, justamente o que estavam rejeitando. Acompanhe as palavras numeradas do seu elogiado texto e veja a análise a seguir;
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DECLARAÇÃO
Eu, Alexandre Coimbra Gomes, graduando do 4° ano de Letras desta Veneranda Instituição, e futuro professor de Língua Portuguesa e suas Literaturas, acuado[1] diante do risco de sofrer uma esculhambação[2] geral por parte dos ilustres companheiros de ofício (e, também, propagadores do bom uso e do amálgama[3] da nossa Língua ), desisto desta lamentável apresentação sobre “o palavrão” e declaro recuar[4], como um pobre-coitado[5], a fim de defender minha reputação[6] perante vocês.Sob o risco de incorrer em uma pesquisa espúria [7], em que “o tiro poderia sair pela culatra”[8], assumo que, vali-me de total pudicícia[9] para tomar tal resolução.Livro-os deste aperitivo[10] de mau gosto do nosso ramo[11],evitando, assim, algum tipo de encrenca[12].Aqui fica meu testemunho[13].Por favor, não fiquem enfezados[14] comigo.
Peço desculpas,
Alexandre Coimbra Gomes
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Alexandre, nós do Bacharéis em Baixarias verificamos que etimologicamente as palavras grifadas têm as seguintes origens:
[1] - acuado - do Latim “ proteger o próprio rabo”, colocar o c* contra a parede.[2] - esculhambação - a etimologia identifica na palavra derivada do grego “koleión” , evoluindo para “colhões”[3] - amálgama - remete a “coito” em árabe antigo[4] - recuar – do Latim “ apontar para a região traseira”, ir em direção ao c*.[5] - coitado- do latim “coitus”.[6] - reputação - “do latim “puttare”[7] - espúria - Plutarco (50-120d. C) dizia que o adjetivo ‘spurius” deriva de uma palavra Sabina para a genitália feminina.[8] - culatra - termo bélico “culatra” do latim “culus”, “ parte de trás do canhão, ânus”[9] - pudicícia -“pudico”e “impudico” vem de “podex”,como os romanos chamavam o ânus.[10] - aperitivo- “aperitivum” era termo médico na Antiguidade que significava “purgante”[11] - ramo – do latim “ramu”, já foi “membro viril” na península ibérica.[12] - encrenca - vem do iídiche “ein krenke” que significa “ ter doenças venérea”[13] - testemunho - - “testimonium”, do latim, vem de “testi”, sobretudo no plural testes: “jurar sobre os testículos”.[14] - enfezados - tem a raiz no Latim “faeces”, ou seja; “estar encoleirado por fazer força para aliviar-se das fezes”
terça-feira, 11 de novembro de 2008
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