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terça-feira, 11 de novembro de 2008

PARANORMAL FRACASSADO

Março de 1989 – 13 anos e nove meses de idade

Tinha descoberto um talento meu: Eu era paranormal. Isso mesmo, paranormal.

Tava feliz e assutado, ser paranormal era a maior responsabilidade.

Descobrira por acaso.

Conto.

Numa certa tarde que quando eu estava vendo a novela Ti-Ti-Ti, me deu uma sensação estranha, uma vertigem que passou assim que entraram os comerciais.

Parada estranha. Parar assim de repente, justamente quando havia terminado o quadro da novela e entrado os comerciais. Deixei pra lá, continuei assistindo lá os comerciais até a novela voltar. O velho Plim-plim e recomeça a novela. Era o último bloco, aquele que, nessa época, nas novelas da Globo, terminava com cenas do próximo capítulo.

Terminei de ver a novela e até esquecera do ocorrido há minutos atrás.

Porém, no dia seguinte, aconteceu a mesma coisa: sensação estranha, uma vertigem que passou assim que entraram os comerciais E ERA NO PENÚLTIMO BLOCO ! Como acontecera no dia anterior.

E assim foi acontecendo sucessivamente dia após dia. Passei a anotar : Todas as vertigens davam-se no exato momento que terminava o penúltimo bloco antes dos comerciais que emendariam com o último bloco.

Percebendo essa façanha comecei a avisar quem estivesse ao meu lado:

- Ahh, já vai acabar a novela, o próximo bloco será o último.

Pra incredulidade de quem estivesse perto, minha previsão sempre se confirmava, o próximo bloco sempre era o último.

Daí em diante tinha a certeza: era um paranormal. Uma paranormalidade que, reconhecia, não tinha uma utilidade muito prática. Uri Gueller tava lá entortando colher, famosão na televisão, o mundo inteiro vendo, e eu era o que sabia descobrir quando ia entrar o último capítulo de Ti-ti-ti.

Eu nem precisava estar olhando pra televisão, bastava eu estar na cozinha lavando louça, por exemplo, que eu gritava pra minha mãe na sala de televisão: “MÃE , JÁ VAI ACABAR A NOVELA !!”

Que era paranormal eu não tinha dúvidas, mas como ficaria famoso por isso?

Participar de um programa de calouros? No programa do Silvio Santos na TVS não daria, lógico.
Imaginei o Sílvio Santos me anunciando: “ VEJAM O INCRÍVEL RAPAZ QUE DESCOBRE QUANDO VAI ENTRAR O ÚLTIMO CAPÍTULO DA NOVELA Ti-Ti-Ti.

Pô, impossível, o cara era concorrente da Globo e anunciar o nome na novela da emissora adversária.

Descartei então essa possibilidade.

Mandei várias cartas pro programa do Chacrinha e não recebi nenhuma resposta.

O que me restou foi passar a cobrar uma graninha da molecada da vizinhança pra presenciar meu excepcional fenômeno paranormal. Depois eles começaram a ficar de saco cheio e foram desistindo.

- Aê, cê não faz outras coisas paranormais não ? – exclamou um deles.

Comecei a ficar desmoralizado entre a molecada.

- É mesmo, já tá saindo caro esse negócio da gente vir aqui só pra ver você adivinhar quando vai entrar o último capítulo da novela. Eu nem gosto de novela e tenho que ficar vendo essa merda toda até você vir com a tal adivinhação, já to a semana inteira pagando e já ta acabando minha mesada ! - disse o Lu, meu melhor amigo na época.

Até que o Boca que tinha lábio leporino, o mais velho entre a gente, disse:

- Pó, é até legal esse palanormal seu mas maneiro mesmo foi o que um cala fez ontem à noite lá na quadla onde a gente joga bola. Um cara velhão, chileno, de uns cinquenta anos. Pegou uma moeda e colocou na palma da minha mão, fechou, colocou a mão dele em volta da minha, apeltou com folça, começou a tlemer, disse que tava mentalizando e, pro nosso espanto, quando eu abli a mão, a moeda tava dobladinha, amassadinha!

- Você tá de brincadeira com minha cara! – exclamei.

- Não tô não, é sélio, selíssimo!

- Cê jura?

- Julo !

E continuou:

- Só tinha uns quatlo moleques lá na hola, a maiolia da molecada da rua tá vindo à noitinha aqui na sua casa pra ver sua palanolmalidade, mas os quatlo que estavam lá podem confirmar : O Bluno, o Sombla, o Daniel e o Léo, pelgunta pla eles!! E hoje o chileno vai estar lá de novo. É que vai ter um show do Daniel Azulai no Barra Tênis Clube e ele disse que ele é que é a Chicólia e que ele vai ficar até o fim de semana na cidade.

Caramba!, pensei. Vou conhecer um outro paranormal. Um profissional. E ainda por cima ele que faz a Chicória na turma do Lambe-lambe ! Sou o maior fã da Chicória ! Tenho que conhecer esse cara !

No dia seguinte, ansioso , fui imediatamente pra quadra no horário que ele apareceria.

E ele apareceu.

Nervoso, tremendo fui em sua direção e já fui logo falando : “Senhor Chicória, sou paranormal como o senhor e sou seu maior fã. Eu queria que o senhor me ajudasse a compreender o que está acontecendo comigo. Sou o único paranormal do meu bairro. Preciso da sua ajuda...”

- Calma rapaz, calmito ! – disse meu ídolo num estranho sotaque meio português, meio espanhol. - És una persona especial como jo, não tengas miedo disso ! Vou mostrar-lhe meu fenomenál entortamento de moeda.. Dê-me cá uma moeda...

- Seu Chicória, - interrompi - eu queria saber que o senhor faz outro fenômeno paranormal além desse, esse eu já sei que o senhor sabe fazer. Eu queria saber se nós paranormais somos capazes de efetuar mais de um fenômeno, porque até agora eu só sei fazer um. E o senhor ?

- Mio rapazito, la paranormalidad és uma virtude única. La sua há de desenvolver-se ao logo de sua vida. Tengas calma que outros fenômenos aparecerão... – disse meu ídolo e filósofo Chicória.

- Executarei um fenômeno paranormal que guardo para apresentar para outros paranormais, como ti. Tengas atencion...

Putz ! Tava lá eu sozinho com o meu ídolo ,o Chicória, de igual para igual, papo de paranormal para paranormal, prestes a presenciar um fenômeno que poucos paranormais, como eu, poderiam ver.

- Olhe fixamente para meu dedo polegar e indicador... – disse , aproximando a mão perto dos meus olhos e esfregando lentamente as pontas do polegar e do indicador da mão direita ( daquele jeito que a gente faz quando ta se referindo à dinheiro ).

- Perceba que não há nada na minha mão, somente meus dedos esfregando um no outro. Olhe fixamente, olhe fixamente...

Estático fui prestando atenção no movimento, vendo o atrito da ponta dos seus dedos bem perto do meu rosto... nem piscava, olhava atentamente, até que de repente COMEÇOU A SAIR FUMAÇA POR ENTRE SEUS DEDOS !! ISSO MESMO! UMA FUMAÇA CINZA! E NÃO PARAVA DE SAIR FUMAÇA...CADA VEZ MAIS !!

Comecei a tremer de nervoso. Muito eufórico gritei : CARAMBA ! ISSO É QUE É PARANORMALIDADE ! VOCÊ É O MAXIMO CARA!

Repentinamente o chicória abaixou as mãos, virou-se de costas , foi andando e disse ao olhar pra trás:

- Mio rapazito, la paranormalidad és uma virtude única. La sua há de desenvolver-se ao logo de sua vida. Tengas calma que outros fenômenos aparecerão...

E foi embora.

Nesse dia, 14 de março de 1989, às 18 horas e vinte e seis minutos eu tivera uma certeza: Presenciara uma das coisas mais magníficas da minha vida.

Dezoito anos depois, eu já com 32 anos, bêbado em um bar, cheio de cachaceiros pés inchados à minha volta, ouço de dois pinguços velhos que estavam encostados no balcão , ao meu lado:

- Rapaz, acreditas que tem gente que crê em fenômenos metafísicos por causas de besteiras como estas:

E pegou uns cincos palitinhos de fósforo, com a unha descascou a pólvora da cabecinha dos palitos, pegou aquele pozinho, molhou em um pingo de cerveja, fez uma espécie de lama, esfregou essa lama molhada na ponta do polegar e do indicador e disse baixinho pro outro pinguço:

- Esper e só , daqui há uns três minutos, essa lama secar na ponta do meus dedos que você vai ver que a gente vai tomar unas cervejas de gratuitamente.

- Pó, Paraguaio essa até eu pago pra ver.

Passaram-se os tais três minutos, eu ainda atento na conversa, e ele gritou:

- JO SOU PARANORMAL ! QUEM ME PAGA UNA CERVEZA SE EU SOLTAR FUMAÇA POR ENTRE LOS DEDOS ? PUEDEM OLHAR, NÃO TIEM CIGARRO NENHUM NA MINHA MÃO, NENHUM TRUQUE ! SOU PARANORMAL ! QUEM ME PAGA UMA CERVEJA SE EU FIZER ISSO?

A pinguçada toda foi lá conferir e constatar que realmente não havia nada na mão dele e começaram e berrar:

- ESSA EU QUERO VER, EU PAGO DUAS CERVEJAS, disse um deles sentado na mesa.

- DUVIDO ! SE SAIR FUMAÇA DA SUA MÃO EU PAGO UMA CERVEJA E UMA PINGA, disse um outro mais pra lá do que pra cá.

E assim quase todos concordaram em pagar cervejas e mais cervejas pro dito paranormal.

Até que ele chegou pro meio do botequim, arregaçou as duas mangas da camisa e começou a ponta do dedo polegar e indicador da mão direita:

- Olhem fixamente para meu dedo polegar e indicador... – disse , aproximando a mão perto dos olhos dos pinguços e esfregando lentamente as pontas do polegar e do indicador da mão direita ( daquele jeito que a gente faz quando tá se referindo à dinheiro ).

- Perciebam que não hás nada na minha mão, somiente meus dedos esfregando um no outro. Olhem fixamente, olhem fixamente...

Estáticos, todos foram prestando atenção no movimento, vendo o atrito da ponta dos seus dedos bem perto do seus rostos... nem piscavam, olhavam atentamente, até que de repente começou a sair fumaça por entre seus dedos !! isso mesmo! uma fumaça cinza! e não parava de sair fumaça...cada vez mais !!

Foi uma algazarra total. A pinguçada toda fazendo festa, pagando cerveja...

Eu paguei a minha pinga, saí de dentro do bar. Fui andando cambaleando bêbado pela calçada e pensei

“ Será que já começou a novela?”

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