Certa vez , por volta de 1990, quando eu trabalhava como office-boy em um escritório de contabilidade - função esta que fazia-me andar cerca de 4 horas de ônibus diariamente - , ouvi de um cobrador de ônibus a seguinte frase: “Nesta vida tudo é passageiro, exceto o cobrador e o motorista”. Todos ao meu redor riram, inclusive eu, da ingênua piadinha. Desci do ônibus com a frase na cabeça e fiquei pensando durante um bom tempo naquela situação; minha vida passando como passageiro de ônibus, olhando pela janela os postes, as pessoas na rua , a paisagem, os lugares. Ficava pensando na efemeridade das imagens retidas momentaneamente na minha retina, imagens que, eu tinha certeza, nunca mais veria novamente, do mesmo modo.
Mesmo que eu passasse no mesmo local, repetidas vezes, a imagem seria outra. Intrigava-me, também, um instantâneo contato visual que eu estabelecia , às vezes, com pessoas sentadas em outros ônibus, emparelhados com o que eu estava, em pleno trânsito ( centro do Rio de Janeiro, de São Paulo...). Ao olhar, por uma fração de segundos, nos olhos destas pessoas - homens, mulheres, idosos, crianças - eu pensava: “Qual a probabilidade de eu conseguir ver esta pessoa outra vez na minha vida? Talvez , nunca. Provavelmente, nunca. Com certeza, nunca. Qual seria o nome dessa pessoa? Qual a sua história de vida? Quem sabe ela, ao me olhar, também não estivesse pensando a mesma coisa? Concluí, com isso, que as pessoas são assim; passam pela vida da gente e, num instante seguinte, nunca mais as veremos.
Entendi na simples anedota do cobrador, uma linda metáfora . A viagem de ônibus olhando o mundo pela janela como uma metáfora para a vida. Fascinava-me ficar contemplando aqueles flashes de vida emoldurados pela janela do ônibus.
Como, na época, eu já havia começado a interessar-me por fotografia , resolvi registrar estes instantes na lente de uma câmera. Comecei a fotografar tudo o que via de interessante e, ao longo desses 16 anos, selecionei algumas, na tentativa de tentar fazer com que as pessoas pudessem ver o que eu havia visto, pudessem compartilhar comigo dessa tentativa de visão da vida. Da vida alheia. Da nossa própria vida. Da vida que o passageiro ( seja turista ou trabalhador) vê passar.Vi, nesses anos percorridos, a minha vida passando pela janela dos ônibus através dos meus olhos, as janelas da alma.
Foram cerca de 216 mil quilômetros, percorridos pelas estradas urbanas e rurais do Brasil como mero espectador, que somos, dos instantâneos da vida.
Neste road-bus-movie vi alegria, tristeza, pobreza, riqueza, sexo, esperança, morte, dor , poeira,desespero , frio, calor, cansaço, medo, saudade, despedida, amor e cheguei ao fim da linha desta viagem certo de uma coisa: vi a estrada da vida ficando para trás, cenas únicas que, tenho certeza, não verei jamais.
Pois como canta Bob Marley na música Babylon by Bus: “Open your eyes and look within.”
Não tirei nenhuma foto.
terça-feira, 11 de novembro de 2008
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