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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

BIÓGRAFO FRACASSADO

Vida de biógrafo não é fácil: recolhimento de dados, pesquisas, fotos, jornais, depoimentos, entrevistas, leituras de livros e revistas e o escambau. Todo esse trabalho hercúleo só pra fazer com que os curiosos pela vida alheia saibam mais sobre os - sempre famosos e consagrados - biografados.

Me meti nessa, tentando inverter a lógica do mundo das biografias. Peguei dois artistas totalmente desconhecidos pelo público e fiz duas mini-biografias, de forma que, com esses pequenos textos, eu pudesse apresentá-los às editoras que se interessassem em publicar suas tão instigantes e conturbadas vidas artísticas. Em concomitância com as biografias, empreendi uma árdua análise de suas geniais e desconhecidíssimas obras.

Trabalho de pesquisa filhadaputa!

Li mais de quarenta livros para poder tentar decifrar suas tão bem engendradas manifestações artísticas.

Os personagens são MC MARCÃO, O CONCRETISTA, um pedreiro-poeta-concreto e PAULINHO CACETETE com seu desconhecido samba serial da década de 70.

Como fracassado que sou, é lógico que as editoras devolveram de bate-pronto as trabalhosas pesquisas que fiz.

Pra que essas duas pérolas da arte não se percam no total ostracismo, seguem os pequenos textos que elaborei sobre os dois.



MC MARCÃO, O CONCRETISTA

MC Marcão ou Antônio Marcos Silveira, nasceu em Madureira, subúrbio do Rio, em 1967. Em 1985, começa a trabalhar de servente de pedreiro em quase todos os bairros da periferia do Rio de Janeiro. Nessas andanças encanta-se pelo ritmo funk e passa sua adolescência e juventude em meio a este clima musical.

Com a ampliação do acesso à freqüência FM, a partir da década de 80, o funk no Rio começou a ser influenciado por um novo ritmo da Flórida, o Miami Bass, que trazia músicas mais erotizadas e batidas mais rápidas. Marcão, então, enquanto chapiscava uma parede, assentava um azulejo, só ouvia a FM O Dia, pois só a FM O Dia dedica grande espaço em sua grade horária para os falsos sucessos feitos no ritmo funk, um dos mais famosos é a regravação de uma música de Raul Seixas: o "Rock das Aranhas" que vira hit e se junta a ele outras músicas feitas com muito humor e sem muito apelo político como adaptações de músicas do funk norte-americano e gravações de cantores latinos como Steve B, Corell DJ, entre outros MC's. Dentre os raps que marcam o período mais politizado (mas sem perder o humor) no funk é o "Rap do Acari" que abordava o tema da famosa Roubauto, feira de peças de carro roubadas pelas cidade - a feira muito eclética era sinônimo da precariedade do acesso dos pobres da periferia e outros marginalizados à bens de consumo.

Marcão, desolado por já estar com os dezoito anos e ainda ser analfabeto, pede para seu amigo de obra, o pedreiro Tuto, para lhe ensinar a ler e a escrever. Tuto, leitor voraz, recentemente enebriado por um livro concretista que caíra-lhe nas mãos, decide educar Marcão através do livro Viva Vaia do poeta concreto Augusto Luís Browne de Campos. E, depois de alguns meses, consegue.

A partir desse momento, Marcão passa a ler somente poesia concreta. Continua trabalhando como servente de pedreiro e começa a arriscar seus próprios poemas. Como os seus ídolos Augusto de Campos , Décio Pignatari , Haroldo de Campos e Luiz Sacilotto , Marcão então ( com o perdão do trocadilho) apenas um servente de pedreiro no grande edifício do concretismo escreve seus primeiros versos:

PRATO CHEIO

Bom apetite!
Bonapetit!
Boit!
Arros e fej/ ã/ o e farinhosca
Com doeis O(vos) en CISMA
E 2ª conchacrá de marlhe de corno
Tô de bucheio!

Marcão, depois de concluir estes versos, mostra-os aos amigos de obra que, não entendendo patavinas, começam a debochar do poeta. Ele não esmaecia e explicava pra rapaziada que seus versos defendiam a racionalidade e rejeitavam o expressionismo, o acaso, a abstração lírica e aleatória e que não havia intimismo nem preocupação com o tema, seu intuito era acabar com a distinção entre forma e conteúdo e criar uma nova linguagem, propunha a obra pela obra.

Geladeira, o mestre-de-obras , ao ver que os devaneios líricos do rapaz estavam atrasando a conclusão da obra, chama-o num canto para repreendê-lo. Marcão, após o sermão profissional do seu superior, passa a se envolver em temas sociais. As obras passam a ser mais e mais preocupadas com a inovação da linguagem. Marcão tinha em Vladimir Mayakovsky um grande expoente; repetia, entre o assentamento de um tijolo e outro, a afirmação do poeta russo que não há arte revolucionária sem forma revolucionária.

Marcão é despedido da empreiteira.

Marcão,então , consegue vaga como carregador de caixa de som na Equipe de funk Cash Box. Seus serviços eram tão eficientes que passara a trabalhar de carregador de caixas em quase todas as equipes do Rio: Jet Black, Disco Dance, Signus, A Bolha, Supersonic, Hollywood e Studio Ld. Adorava a idéia: tinha tempo para continuar a escrever seus poemas ( desde que carregasse as caixas, ninguém lhe enchia o saco) e sempre pegava uns bailes de graça.

Só que ele descobre que ainda não trabalhava de carregador para as melhores. Nesta época surgem, com destaque A Coisa, O Kakareko e as duas grandes rivais Pipo's e Furacão 2000 que organizavam bailes dançantes. Nos dias de folga passa a frequentar os primeiros bailes fechados em clubes da periferia como a Paratodos da Pavuna, Pavunense, Exentric (Duque de Caxias).

Marcão, entre carregar caixas, escrever poemas concretos e curtir bailes maneiros, passa a ser testemunha ocular do início desse fenômeno musical carioca.
Ao longo da nacionalização do funk, os bailes, até então, realizados nos clubes dos bairros das periferias da capital e região metropolitana, expandiu-se para eventos em céu aberto, nas ruas, onde as equipes rivais se enfrentavam disputando quem tinha a aparelhagem mais potente, mais traficantes, o grupo mais fiel e o melhor DJ. Neste meio surge o DJ Malboro, um dos vários protagonistas do movimento funk.
Com o tempo, o funk ganha grande apelo dos marginalizados e se afirma como a voz da periferia, cujas letras cantadas pelos MCs, enfatizavam às reivindicações populares pelo combate da violência policial nas comunidades carentes dos morros cariocas. As músicas tratavam o cotidiano dos freqüentadores: abordavam a violência e a pobreza das favelas.

Marcão percebera, nessa época, que havia um grande silêncio sobre o funk, que continuava a ser popular nas rádios piratas (algumas eram de controle das equipes de som) e agora tratam dos temas ligados aos grupos criminosos, como o Comando Vermelho, ADA e etc, servindo como inspiradores de combates e aviso sobre a troca de comando local, ou sobre a sujeição dos moradores da área a nova ordem: o funk falava principalmente sobre as drogas, as armas, os comandos, muitas vezes convocando moradores de favelas a participar de atos de violência ou pregando o extermínio de inimigos.

Marcão desiludido com a pobreza lírica dos versos dos funks, passa a compor letras grandemente influenciadas pela poesia concreta. Como tinha boas influênias no meio, mostra para quase todos os DJ’s conhecidos e donos de equipes:

VAI PRA VALA

Vala prai
Prala vai
Lapra pai
Pra vai vala

Nesta mesma época da composição de Vai pra Vala, o funk adota como temática o sexo apresentado sempre como uma simples cópula, muitas vezes acompanhados de gritos e gemidos. Não por acaso bailes funk passaram a ter bacanais entre os participantes, na maioria das vezes menores de idade. Tais orgias começavam após a execução de alguma música que era previamente conhecida como sinal para o início do sexo. Surgiram nas favelas os bebês "filhos do trem", crianças geradas em "trenzinhos" por sexo de adolescentes com desconhecidos. Nacem daí hits como “ A Dança da Chapeleta”, “Dança da cabeça” e “Dança da bundinha”, entre outras. Marcão, com toda a sensuualidade dá luz a :

DANÇA DO ABORTO

( Para Stéphane Mallarmé, James Joyce, Ezra Pound, Vladimir Maiakóvski, Arnaut Daniel e E. E. Cummings.)

Dança do aborto. Você meche a bundinha e o bebê nasce morto.
Dança do aborto. Você meche a bundinha e o bebê nasce .
Dança do aborto. Você meche a bundinha e o bebê .
Dança do aborto. Você meche a bundinha .
Dança do aborto. Você meche .
Dança do aborto. Você.
Dança do aborto.
Dança .
;D

Sem muito sucesso com essa canção, Marcão segue sua vida.

Evidentemente os bailes funk também propiciaram a expansão da AIDS nas favelas cariocas. O jornalista Tim Lopes morreu assassinado por traficantes de drogas quando investigava denúncias de exploração sexual de menores em bailes funk. Alguns artistas desta fase, como Claudinho e Buchecha, enveredaram para outros tipos de tema. Os chamados "charmeiros" são um grupo de resistência a este cenário, mas que acabam sendo suprimidos, inclusive, pela mídia. Ao mesmo tempo que as músicas abordavam o cotidiano das classes baixas, alguns bailes começaram a ficar mais violentos e ser palco de "brigas de galeras", onde pessoas de dois lugares dividiam a pista em duas e quem ultrapassasse as fronteiras de um dos "lados", era agredido pela outra galera. Os chamados “Lado A” e Lado B”. Estas galeras podiam ser representadas por moradores de um vs. outro bairro, torcidas organizadas de times, grupos de equipes rivais, grupos de facções rivais, etc...Marcão compõe a canção
Lado C:

LADO C

Lá doce. ¨Tem¨ -o-o-o- Lado cê. Tam nrevoso. Lá / dô / cê
Pancaradariafolgolfadasãodesanguesapasindoponaparipiz
Con – spiração terrorista
Com – trafação ninilista
Cam – pesinidade suburbana
Bem
Bom

Este poema é uma teia de elos sonoros e semânticos meticulosamente construída. Lado C” é o tema que se expande. “Tem” em forma de cruz para cima (“tem”), para um lado (“tem”), para o outro (“tam”) e para baixo (“tom”). “São” o faz em diagonal “som” e “sem som” . Os elementos que sobram formam um triângulo: “con”, ”com” e “can”- e uma diagonal: “bem”, “bem”. Todos estão a uma mesma distância do centro que é um nó em tensão. Segundo os princípios das palavras, há quatro grupos (“t”, “s”, “k” e “b”, mas há somente um se considerarmos as letras finais (todas estão enlaçadas pela nasalização). Assim como Marcão extrai quantidade de possibilidades do visual das palavras, também aproveita sua sonoridade, indo do “com som” ao “sem som” e extraindo valor onomatopaico das sílabas. Ao fazer um percurso clássico do olhar – da direita à esquerda -, vê-se que o poema é a tensão entre o silêncio: do “com som” ao “sem som”.

A pressão da polícia, da imprensa e a criação de uma CPI na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro em 1999 e 2000 suprimiram bailes, principalmente, os próximos a áreas urbanas nobres, pois além da potência das caixas de som estarem sempre acima do permitido normalmente 85dB (decibéis) por lei ,geralmente, eles começavam depois das 22h - e acabaram com a violência em poucos dos bailes,pois a maioria sempre acabava em tiroteio, ao mesmo tempo em que as músicas se tornaram mais dançantes e as letras mais sexuais. E o consumo de drogas nos bailes era evidente.MC Marcão prontamente fez Coca-cola II.

COCA-COLA II

CHEIRE COCA COLA
CHE COCA
CHEIRE COLA
CHEICO RELA
CHEIRAÇÃO NO OLHO DO BAILE DA FURACÃO

Vemos que o funk-concretismo, ao oferecer possibilidades várias de leituras, como se pode verificar pela análise do poema, em que o caráter esotérico é substituído por forte ideologia.

Não obstante MC Marcão falar apenas em antipropaganda, ao referir-e a este poema, analisando mais profundamente as coordenadas fonêmico-semânticas dos vocábulos que se metamorfoseiam ao longo do texto, observamos que subjaz às palavras um conteúdo que vai além do meramente verbivocovisual. Já no segundo movimento, a metátese fonêmica que redundou na passagem de cheire para che, evidencia o processo ideológico e o discurso do silêncio, subjacente ao visual. Beber coca-cola não figura nos países do Terceiro Mundo, tão-somente como ato de sorver o liquido e matar a sede; é, antes, o ato de absorver uma cultura que se coloca por trás do discurso visual, ou se mistura com a essência da cocaína. Che, além de se referir diretamente ao ato de revolucionar, próprio de quem vai ao poete sem se precaver, reserva uma carga semântica que se interconecta às conseqüências da perda da identidade cultural. Esse raciocínio se clarifica quando verificamos que rela se correlaciona, ainda, a fala melíflua, fala enganosa da propaganda e do domínio cultural que se impõe aos povos subdesenvolvidos. Alicerçando nossa interpretação, observamos que a ação de cheirar não se refere somente mais a cocaína, como o fizera a de che, mas a cola. Ora, cheirar cola é, de certa maneira, aderir ao consumismo, que compreende toda a dinâmica do capital e, sobremaneira, do copismo cultural.

E Marcão, infelizmente, ainda não conseguira seu tão esperado sucesso.

Do morro ao asfalto o funk conseguiu, de uma maneira não muito usual, mascarou seu ritmo, mostrando-se mais parecido com um rap americano e integrou um pouco mais as classes cariocas. Seu ritmo hipnótico por sua batida repetitiva também contribuíram para essa adoração, algumas letras eróticas e de duplo sentido normalmente desvalorizando o gênero feminino também revelam uma não originalidade em copiar de outros estilos musicais populares no Brasil como o Axé music e o forró.
Acreditando no próprio talento e insistindo na fama,o já autodenominado MC Marcão delineia sua obra mais fácil: Cabaço. A letra de caráter assumidamente popularesca ( MC Marcão, já com 4 filhos pra criar, decide não arriscar mais no hermetismo) e propõe um novo limite da poesia, não mais a linearidade do verso, mas o espaço bidimensional da página, e que depois, passa a ser explorado inclusive em perspectiva, passando para a ilusão da tridimensionalidade, abrindo um leque de possibilidades criativas .

CABAÇO

;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;Cabaço baço aço çoba aboça ;;;;;;;;;;;;;;;;;çobaça
aboça çobaça Cabaço ;;;;;;;;;;;;;;; baço aço
baço aço çoba aboça çoba aboça çobaça
baço aço çoba aboça çobaça ;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;

Com o conceito de verbivocofunkvisualidade, Marcão buscava definir sinteticamente as possibilidades da palavra neste tipo de poesia. Além da palavra enquanto signo oral e escrito, cores, formas e o próprio espaço eram elementos de composição. Este poema fundado nas possíveis permutações de letras dessa palavra ( Cabaço), a qual, como que por acaso, só é legível uma vez em todo o texto, e esse acaso, perdido no aparente anonimato de seqüências de letras privadas (ou quase) de semântica (digo 'quase' porque numa delas, por exemplo, se pode reconhecer a palavras cabaço ... ), é que constitui a informação estética, poema, utilizando 60 combinações possíveís entre as seis letras de cabaço, dividídos em grupos de 6 combinações cada. A relação entre o significado da palavra "cabaço" e o poema é evidente.

MC Marcão, o degregado do funk, o paria, continua lutando, depois de mais de 30 anos, entre a fusão da poesia concreta o o funk carioca. Quanto mais o funk torna-se popular, mais MC Marcão cai no ostracismo.

O funk, no século XXI ganha espaço fora do Rio e reconhecimento internacional, quando foi eleito umas das grandes sensações do verão europa de 2005 e ser base para um sucesso da cantora inglesa MIA, "Bucky Done Gun". Um dos destaques desta fase, e que foi objeto até de um documentário europeu sobre o tema é a cantora Tati Quebra-Barraco que se tornou uma figura emblemática das mulheres que demonstra resistência à dominação masculina em suas letras em que põe a mulher no controle das situações.

Com o nascimento de novas equipes de funk e rádios de funk, além do interesse cada vez maior nos bailes, principalmente o Baile do Castelo das Pedras, em Rio das Pedras, Zona Oeste, o funk vem se firmando como um ritmo forte e crescente.

E Marcão continua até hoje compondo suas letras, e acreditamos que em breve sua genialidade será reconhecida.


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PAULINHO CACETETE E O DESCONHECIDO SAMBA SERIAL DA DÉCADA DE 70

Desconhecido do público e rejeitado pela crítica, Paulinho Cacetete, nascido em 19 de fevereiro de 1946, em Austin, Baixada Fluminense, foi o idealizador do projeto samba serial. Samba serial é uma subdivisão do serialismo. O serialismo é um método de composição musical surgido na primeira metade do século XX como desdobramento do dodecafonismo.

De fato, o próprio dodecafonismo é às vezes chamado também de serialismo. Portanto, para evitar ambigüidades, usa-se a denominação serialismo dodecafônico ou simplesmente dodecafonismo para fazer referência àquele, sendo o serialismo propriamente denominado preferencialmente serialismo integral.

A diferença entre os dois sistemas está em que o serialismo integral, no limite, se baseia numa série para ordenar todos os parâmetros do som em uma peça. Desse modo, duração, timbre, altura e intensidade são, todos eles, definidos a partir de uma série, que nesse caso, em geral se organiza como uma série de razões do tipo 2:3:7:5:1 etc.

Samba Serial é, portanto, a intersecção entre o samba de raiz e o serialismo.

Os sambas de Cacetete totalmente serializados incluem Carne Esponjosa, (1974) para 18instrumentos, e Carne Mijada I, para dois pianos e um pandeiro. Carne Esponjosa foi também ponto de inflexão para Cacetete. Como uma das obras mais visivelmente serializadas em sua totalidade, serviu de archote de iluminação para diversas espécies de criticismo. Deste samba, pode-se afirmar acerca dos versos de Carne Esponjosa a ascensão de um suspiro. De um suspiro, sem nenhuma dúvida, mas antes uma descida que uma ascensão onde o hermetismo aparente serve-lhe com freqüência para dissimular suas preocupações eróticas.

CARNE ESPONJOSA

Sou professor de Semiótica na UFRJ
nunca comi aluna nenhuma
Por isso sou considerado um idiota
Desde o Leblon até Inhaúma

Mas tenho um ponto a meu favor
Uma protuberância indecente
em algumas pessoas causa horror
mas provoca lascívia nas discentes

Tenho uma carninha gostosa
Em relevo na minha perna
É minha carne esponjosa

Tenho uma carninha gostosa
Em relevo na minha perna
É minha carne esponjosa

Na revista Sururu de Capote ( nº 6, de maio de 1976), Pedrão Bombeiro publicou artigo em que examinava os padrões de duração, dinâmica e timbre da obra Carne Mijada I, e chegou à conclusão que um timbre único não encaixava no modelo, que ele então continuava a questionar em exasperante detalhamento. Essas críticas, combinadas com o que Cacetete sentia, foram “uma falta de flexibilidade expressiva na linguagem”, como ele delineou em seu ensaio “Beneplácito de cu é rola”,levaram Cacetete a refinar sua linguagem composicional. Ele destilou o sentimento de total serialização para dentro de música mais sutil e fortemente gestual ( a coreografia erótico-minimalista de Couro de Pica), e manteve secretos seus métodos de composição, para previnir pessoas como Pedrão de discutir sua técnica, em lugar de focar no conteúdo de sua música. A mais forte aquisição de Cacetete nesse método é sua obra-prima Carne Mijada II para conjunto, trigogô e voz, de 1978-1979, uma das poucas obras de música avançada dos anos 1970 a manter-se no repertório.


CARNE MIJADA II


O buraco da vagina é um buraco imundo
É um buraco pra dentro e acumula mijo
E o que mais me intriga é que ele não tem fundo

Eu meto o cacete até o talo e não encontro o fundo
Dois palmos de cacete rijo
E eu não acho fundo no buraco imundo

A experimentação na vida de cacetete:
Depois de Carne Mijada II, Cacetete começou a fortalecer a posição dos compositores da música pós-Ditadura. Ele também começou a considerar novos caminhos para sua própria obra. Com Corpo Cavernoso para apito, repique, tarol e soprano, ele começou a trabalhar com uma idéia de improvisação e de finais abertos. Ele considerou como o meaestro ( denominação criada por Cacetete como “fusão entre mestre sala e maestro”) deveria estar apto a 'improvisar' sobre notações vagas, tais como a fermata, e como os tocadores podiam 'improvisar' sobre durações irracionais, tais como notas adicionais e rítmicas. Para além disso, ele trabalhou com a idéia de deixar o ordenamento específico de movimentos ou seções de música abertos para serem escolhidos para uma noite particular de uma apresentação, uma idéia relacionada com a forma móvel de Karlheinz Stockhausen. Curiosamente, embora as duas obras pareçam semelhantes hoje, e certamente representam a mesma impecável técnica, Corpo Cavernoso não foi recebida tão bem quanto Carne Mijada I. Stravinsky, por exemplo, odiava a primeira, mas amava a última. Leci Brandão, declarou timidamente, em entrevista à Sururu de Capote ( nº 47, de junho de 1984) que gostara somente de Carne Mijada II. Essa é talvez mais um barômetro cultural do que reflexão sobre o trabalho em si. Durante o tempo em que Cacetete estava testando essas novas idéias, aqueles colegas que nunca tinham estado inteiramente confortáveis com a proeminência de uma linguagem musical rigorosa, como Beto-sem-braço, trouxeram um contra-argumento musical convincente para os ideais musicais de Cacetete. Em uma reviravolta poética, Cacetete moveu-se de um respeito irrestrito a Martela o Martelão ( depois citada em canção do Bonde do Tigrão), significando “o martelo da cabeça rachada”, para aparente decepção com A racha azeda (Dobra sobre dobra), que dialogou com um poema de Stéphane Mallarmé sobre a exasperante impotência de um pedreiro, incapaz de levantar sua “ferramenta de trabalho”.

A partir dos anos 80, começando com a Terceiro Batuque para Piano (1985), Cacetete experimentou com o que ele chamou de casualidade controlada e desenvolveu seus pontos de vista sobre música aleatória nos artigos Gislene e Cleuza, que queres vós de mim? na revista Sururu de Capote ( nº 96, de dezembro de 1989). Seu uso da casualidade – que iria posteriormente empregar em composições como Ai minha bola do saco! e Tripa Lombeira é melhor do que o Angu do Gomes – é muito diferente daquele, por exemplo, utilizado por John Cage em suas obras. Enquanto na música de Cage aos executantes é-lhes dada freqüentemente a liberdade para improvisar e criar sons completamente novos, nas obras de Cacetete eles somente podem escolher entre possibilidades que foram escritas em pormenores pelo compositor – um método que é freqüentemente descrito como forma móvel.

Década de 1990 na vida de Cacetete:
Alguns críticos têm acusado Cacetete de experimentar tardiamente as modas musicais francesas e norte-americanas nos anos 70, por exemplo, o Chuta que é Macumba para orquestra dividido em oito grupos foi visto como sob a influência do minimalismo americano. Nenhuma dessas modas pareceu encaixar bem em Cacetete, e gradualmente, Cacetete fecha o livro sobre esse tipo de experimentação. Algumas revisões posteriores de suas obras, tal como um ordenamento fixo para os movimentos de Chuta que é Macumba II (que previamente podia ser tocado em qualquer ordem), são vistas como reação contra a mencionada linha de crítica. Cacetete pessoalmente explicou que – depois de trabalhar um pouco com a referida composição – parecia que havia, enfim, a melhor ordem: aquela que ele escolheu!

Contudo, Cacetete tinha tido, antes disso, uma forte tendência a considerar todas suas peças como trabalho em andamento. Sua produção, desde a década de 1970, tinha desacelerado consideravelmente; as obras tendem a ser completadas depois de muitos anos, e algumas, como a Terceira Esporrada para Piano (1956- ), permanecem inacabadas, embora dois de seus planejados cinco movimentos venham sendo executados. ...évelho-mais/émeu---porra!..., (é o título da peça) é efetivamente um concerto de caixa de fósforo com eletrôtetônica ( misto de eletrônica e Eletrotécnica, curso que fez no Senac), foi a princípio escrito nos anos setenta (1970) e completamente revisado nos anos noventa. Uma de suas primeiras obras Nabunda nada? para piano (1955), que consistia de pequenas miniaturas, está hoje no processo de ser transformada em uma peça para orquestra, com seus diminutos movimentos para piano metamorfoseados em ciclo orquestral monolítico. No mínimo sete movimentos desse projeto foram concluídos.


TERCEIRA ESPORRADA PARA PIANO ( Bolero de Ravel em Samba de Breque)

T-T-T-T-T-T-T-T-T-T-Terceira
Eira-a-a-a-a-a-a-a-a-a-a-a-a-a-a
Esporr
ada
p-a-r-a--p-i-a-n
o

g-g-g-g-g-o-o-o-o-z-z-z-z-e-e-e-i-i-i-i

Exame de próstata ( 1990-1994) trabalha com a idéia musical de ressonância e a espacialização dos sons que - criados pelo conjunto - fossem processados em tempo real (a música eletrônica era normalmente criada penosamente em situações controladas, e então gravada em fitas, e assim 'fixadas' em um substrato para poder fazer uma apresentação).

Cacetete é particularmente talentoso por suas interpretações sambísticas cultivadas de clássicos do século XX: Claude Debussy,Gustav Mahler, Arnold Schoenberg, Igor Stravinsky, Béla Bartók, Anton Webern e Edgard Varèse. Em 1984, ele regravou em ritmo de maxixe toda a obra de Frank Zappa . Seu repertório do século XIX focaliza Ludwig van Beethoven, Hector Berlioz , Robert Schumann e especialmente os tambores africanos.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

AUTOR DE FOLHETO DE CORDEL FRACASSADO

Tentei ser autor de folhetos de cordel. Pra quem não sabe o que é cordel não tenho saco pra explicar (http://pt.wikipedia.org/wiki/Cordel ).

Foi durante o oba-oba de um gênero musical classificado como “forró universitário”, com os Falamansas e Rastapés da vida aporrinhando freqüentemente na rádio & tv. Versei mal e porcamente sobre o tema.

Imprimi mais de quinhentos folhetos. Fui no Centro de Tradições Nordestinas no Rio de Janeiro e tentei vender lá. Passei dois dias a pinga e carne-de-sol. Não vendi nenhum. Voltei com uma tremenda caganeira e todos os folhetos na mochila.





















quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

CONTISTA FRACASSADO

Fiz um curso de feitura de contos com o consagrado contista ( ganhador do Jabuti) Marcelino Freire. fiquei nervoso e não consegui confeccionar um conto que prestasse na tal oficina. Saí de lá desolado.

Segue no You Tube um mini-vídeo do evento. Eu sou o gordo de boné, camisa vermelha e resignada cabeça baixa.

http://www.youtube.com/watch?v=xc_eNd8jQd8

Chegando em casa, matutei, matutei e saiu esse conto que, sei, ficou uma merda:

CARTA A UMA SENHORITA DE PARIS

Andrée, eu não queria acabar morando em seu apartamento na rua Suipacha. Não tanto pelos coelhinhos, antes porque me dói ingressar em uma ordem fechada, já construída até nas mais finas malhas do ar, essas que em sua casa preservam a música da lavanda, o bater de asas de um cisne com poeira, o jogo do violino e da viola no quarteto de Rará. Me é amargo entrar em um âmbito onde alguém que vive belamente o dispôs inteiro como uma reiteração visível de sua alma, aqui os livros (de um lado em espanhol, do outro em francês e inglês), ali os almofadões verdes, neste lugar preciso da mesinha o cinzeiro de cristal que parece o corte de uma de uma bolha de sabão, e sempre um perfume, um som, um crescer de plantas, uma fotografia do amigo morto, ritual de bandejas com chá e as colherzinhas do açúcar... Ah, querida Andrée, como é difícil se opor, ainda aceitando-a com inteira submissão do próprio ser, à ordem minuciosa que uma mulher instaura em sua lânguida residência. Quão culpável é pegar uma tacinha de metal o colocá-la no outro extremo da mesa, colocá-la ali simplesmente porque alguém trouxe seus dicionários ingleses e é deste lado, ao alcance da mão, onde deverão estar. Mover essa tacinha vale por um horrível vermelho inesperado no meio de uma modulação de Ozenfant, como se de um golpe as cordas de todos os contrabaixos se rompessem ao mesmo tempo com a mesma espantosa chicotada no instante mais calado de uma sinfonia de Mozart. Mover essa tacinha altera o jogo de relações de toda a casa, de cada objeto com outro, de cada momento de sua alma com a alma inteira da casa e sua habitante distante. E eu não posso aproximar de um livro os dedos, cingir apenas o cone de luz de um abajur, destampar a caixa de música, sem que um sentimento de ultraje e desafio me passe pelos olhos como um bando de pardais.

Você sabe por que vim a sua casa, ao seu quieto salão solicitado ao meio-dia. Tudo parece tão natural, como sempre que não se sabe a verdade. Você se foi a Paris, eu fiquei com o apartamento da rua Suipacha, elaboramos um simples e satisfatório plano de mútua conveniência até que setembro lhe traga de novo a Buenos Aires e me lance a alguma outra casa onde talvez... Mas não lhe escrevo por isso, esta carta a envio por causa dos coelhinhos, parece-me justo deixá-la a par, e porque gosto de escrever cartas, e talvez porque chove.

Mudei-me na sexta-feira passada, às cinco da tarde, entre névoa e tédio. Fechei tantas malas em minha vida, passei tantas horas fazendo a bagagem que não levava a lugar nenhum, que a sexta foi um dia cheio de sombras e correias, porque quando eu vejo as correias das malas é como se visse sombras, elementos de um chicote que me açoita indiretamente, da maneira mais sutil e mais horrível. Mas fiz as malas, avisei a sua mucama que viria me instalar, e subi no elevador. Justo entre o primeiro e o segundo andar sentia que ia vomitar um coelhinho. Nunca o havia explicado antes, não creia que por deslealdade, mas é natural que alguém não se ponha a explicar às pessoas que de vez em quando vomita um coelhinho. Como sempre me sucedeu estando sozinho, guardava o fato como se guardam tantas vezes o que acontece (ou alguém faz acontecer) na privacidade total. Não me reprove, Andrée, não me reprove. De vez em quando me ocorre de vomitar um coelhinho. Não é razão para não viver em qualquer casa, não é razão para que alguém tenha que se envergonhar e estar ilhado e andar calando-se.

Quando sinto que vou vomitar um coelhinho, ponho dois dedos na boca como uma pinça aberta, e espero sentir na garganta a pelugem morna que sobe como uma efervescência de sal de frutas. Tudo é veloz e higiênico, transcorre num brevíssimo instante. Tiro os dedos da boca, e neles trago segurado pelas orelhas um coelhinho branco. O coelhinho parece contente, é um coelhinho normal e perfeito, só que muito pequeno, pequeno como um coelhinho de chocolate, mas branco, e inteiramente um coelhinho. Coloco-o na palma da mão, levanto-lhe a pelugem com um carinho dos dedos, o coelhinho parece satisfeito de ter nascido e se agita e gruda seu focinho contra minha pele, movendo-o com essa trituração silenciosa e que faz cócegas de um focinho contra a pele de uma mão. Procura comer e então eu (falo de quando isso ocorria no quintal da minha casa) eu o retiro comigo à sacada e o coloco no grande vaso onde cresce o trevo que a propósito plantei. O coelhinho levanta totalmente suas orelhas, envolve o trevo tenro com um veloz molinete do focinho, e eu sei que posso deixá-lo e ir, continuar por um tempo uma vida que não é diferente da de tantos que compram seus coelhos nas granjas.

Entre o primeiro e o segundo andar, Andrée, como um anúncio do que seria minha vida em sua casa, soube que ia vomitar um coelhinho. Em seguida tive medo (ou era estranheza? Não, medo da mesma estranheza, por acaso) porque antes de deixar minha casa, somente dois dias antes, havia vomitado um coelhinho e estava seguro por um mês, por cinco semanas, talvez seis com um pouco de sorte. Veja você, eu tinha resolvido perfeitamente o problema dos coelhinhos. Plantava trevo na sacada de minha outra casa, vomitava um coelhinho, colocava-o no trevo e ao cabo de um mês, quando suspeitava que de um momento a outro... então presenteava o coelho já crescido à senhora de Molina, que acreditava em um hobby e se calava. Já no outro vaso onde crescia um trevo jovem e propício, eu aguardava sem preocupação a manhã em que a coceguinha de uma pelugem subindo me fechava a garganta, e o novo coelhinho repetia desde essa hora a vida e os costumes do anterior. Os costumes, Andrée, são formas concretas do ritmo, são a quota de ritmo que nos ajuda a viver. Não era tão terrível vomitar coelhinhos, uma vez que se havia entrado no ciclo invariável, no método. Você desejará saber por que todo esse trabalho, porque todos esses trevos e a senhora de Molina. Seria preferível matar em seguida o coelhinho e... Ah, teria você que vomitar somente um, tomá-lo com os dedos e colocá-lo não mão aberta, aderido a você pelo mesmo ato, pela aura inefável de sua proximidade apenas rota. Um mês isso leva, um mês é o suficiente, pêlos compridos, saltos, olhos selvagens, diferença absoluta. Andrée, em um mês é um coelho, faz-se um coelho de verdade; mas o minuto inicial, quando o tufo morno e agitado encobre uma presença inalienável... Como um poema nos primeiros minutos, o fruto de uma noite de Iduméia: tão de alguém como alguém mesmo... e depois tão diferente, tão ilhado e distante em seu mundo branco plano do tamanho de uma carta.

Me decidi, contudo, a matar o coelho assim que nascesse. Eu viveria quatro meses na sua casa: quatro – talvez, com sorte, três – colheradas de álcool no focinho. (Sabe você que a misericórdia permite matar instantaneamente um coelhinho dando-lhe de beber uma colherada de álcool? Sua carne, logo, fica melhor, ainda que eu... Três ou quatro colheradas, e daí o banheiro ou um pacote somando-se aos resíduos).

Ao cruzar o terceiro andar o coelhinho se movia em minha mão aberta. Sara esperava lá em cima, para ajudar-me a carregar as malas... Como explicar-lhe que um capricho, uma loja de animais? Envolvi o coelhinho com meu lenço, coloquei-o no bolso do sobretudo, deixando o sobretudo aberto para não oprimi-lo. Só se movia. Sua consciência miúda devia estar-lhe resolvendo fatos importantes: que a vida é um movimento para cima com um click final, e que é também um céu baixo, branco, envolvente e cheirando a lavanda, no fundo de um poço morno.

Sara não viu nada, fascinava-a demais o problema árduo de ajustar seu sentido de ordem à minha mala-roupeiro, meus papéis e minha displicência perante suas elaboradas explicações onde abunda a expressão “por exemplo”. Só pude me fechar no banheiro, matá-lo agora. Uma fina zona de calor rodeava o lenço, o coelhinho era branquíssimo e creio que mais lindo que os outros. Não me olhava, somente de agitava e estava contente, o que era mais o mais horrível modo de me olhar. Tranquei-o na gaveta vazia e voltei para desfazer as malas, desorientado mas não infeliz, não culpado, não lavando minhas mãos para livrá-las de uma última convulsão.

Compreendi que não podia matá-lo. Mas nessa mesma noite vomitei um coelhinho preto. E dois dias depois um branco. E na quarta noite um coelhinho cinza.



Você amará o belo armário do seu dormitório, com a grande porta que se abre generosa, as prateleiras vazias à espera de minha roupa. Agora os tenho aqui, aqui dentro. Verdade que parece impossível, nem Sara o creria. Porque Sara não suspeita de nada, e o que não suspeita não procede da minha horrível tarefa, uma tarefa que leva meus dias e minhas noites num só golpe de ancinho e vai me calcinando por dentro e endurecendo como essa estrela de mar que você pôs sobre a banheira e que a cada banho parece encher a alguém o corpo de sal e açoites de sol e grandes rumores da profundidade.

De dia dormem. São dez. De dia dormem. Com a porta fechada, o armário é uma noite diurna somente para eles, ali dormem sua noite com sossegada obediência. Levo comigo as chaves do quarto ao partir para o meu serviço. Sara deve crer que desconfio de sua honradez e me olha com dúvida, vê-se todas as manhãs que está para me dizer algo, mas ao final se cala e eu fico tão feliz. (Quando limpa o quarto, das nove às dez, faço barulho no salão, coloco um disco de Benny Carter que ocupa toda a atmosfera, e como Sara é também amiga de saetas e pasodobles, o armário parece silencioso e, acaso assim esteja, é porque para os coelhinhos transcorre já a noite e o descanso).

Seu dia começa a essa hora que segue ao jantar, quando Sara leva a bandeja com um leve tilintar das colherzinhas do açúcar, me deseja boa noite – sim, me deseja, Andrée, o mais amargo é que me deseja uma boa noite – e se fecha em seu quarto e logo estou eu sozinho, só com o armário condenado, só com meu dever e minha tristeza.

Deixo-os sair, lançarem-se ágeis ao ataque do salão, cheirando vivazes o trevo que meus bolsos ocultavam e agora há no tapete efêmeros pontinhos que eles alteram, removem, acabam em um momento. Comem bem, calados e corretos, até esse instante nada tenho a dizer, olho-os somente desde o sofá, com um livro inútil na mão – eu que queria ler todos seus Giradoux, Andrée, e a história argentina de López, que você tem na prateleira mais baixa -; e comem o trevo.

São dez. Quase todos brancos. Levantam a cabeça leve para os abajures do salão, os três sóis imóveis de seu dia, eles que amam a luz porque sua noite não tem lua nem estrelas nem faróis. Olham seu triplo sol e estão contentes. Assim é que saltam pelo tapete, às cadeiras, dez manchas levianas se trasladam como uma constelação movente de uma parte a outra, enquanto eu queria vê-los quietos, vê-los aos meus pés e quietos – um pouco o sonho de todo deus, Andrée, o sonho nunca cumprido dos deuses -, não assim insinuando-se atrás do retrato de Miguel de Unamuno, em torno do vaso verde claro, pela negra cavidade da escrivaninha, sempre menos de dez, sempre seis ou oito e eu me perguntando onde andarão os dois que faltam, e se Sara se levantasse por qualquer coisa, e a presidência de Rivadavia que eu queria ler na história de López.

Não sei como resisto, Andrée. Você recorda que vim descansar em sua casa. Não é culpa minha se de vez em quando vomito um coelhinho, se esta mudança me alterou também por dentro – não é nominalismo, não é magia, somente que as coisas não se podem variar assim de repente, às vezes as coisas mudam brutalmente e quando você esperava a bofetada pela direita -. Assim, Andrée, ou de outro modo, mas sempre assim.

Escrevo-lhe de noite. São três da tarde, mas lhe escrevo na noite deles. De dia dormem. Que alívio este escritório coberto de gritos, ordens, máquinas Royal, vice-presidente e mimeógrafos! Que alívio, que paz, que horror, Andrée! Agora me chamam pelo telefone, são os amigos que se inquietam pelas minhas noites de retiro, é Luis que me convida para caminhar ou Jorge que me avisa de um concerto. Quase não me atrevo a dizer-lhes que não, invento prolongadas e ineficazes histórias de saúde ruim, de traduções atrasadas, de evasão. E quando volto e subo no elevador – esse trecho, entre o primeiro e o segundo andar – formulo-me noite a noite irremediavelmente a vã esperança de que não seja verdade.

Faço o que posso para que não destruam suas coisas. Roeram um pouco os livros da prateleira mais baixa, você os encontrará dissimulados para que Sara não se dê conta. Você queria muito seu abajur com a base de porcelana cheia de mariposas e cavaleiros antigos? Só se percebe o trinco, toda a noite trabalhei com um cimento especial que me venderam numa casa inglesa – você sabe que as casas inglesas têm os melhores cimentos – e agora me coloco ao lado para que nenhum o alcance outra vez com as patas (é quase bonito ver como gostam de ficar parados, nostalgia do humano distante, talvez imitação de seu deus andando e olhando-os áspero; além disso você terá percebido – em sua infância, quem sabe – que se pode deixar um coelhinho em penitência contra a parede, parado, as patinhas apoiadas e muito quieto por horas e horas).

Às cinco da manhã (dormi um pouco, estendido no sofá verde e acordando a cada corrida felpuda, a cada tilintar) coloco-os no armário e faço a limpeza. Por isso Sara encontra tudo certo ainda que às vezes tenha visto nela algum assombro contido, um ficar-se olhando um objeto, uma leve desbotado do tapete, e de novo o desejo de me perguntar algo, mas eu assoviando as variações sinfônicas de Franck, de maneira que nada acontece. Para que contar-lhe, Andrée, as minúcias desventuradas de esse amanhecer surdo e vegetal, em que caminho sonolento levantando hastes de trevo, folhas soltas, pelugem branca, me batendo contra os móveis, louco de sono, e meu Gide que se atrasa, Troyat que não traduzi, e minhas respostas a uma senhora distante que estará se perguntando já se... para que seguir com tudo isso, para que seguir esta carta que escrevo entre telefones e entrevistas.

Andrée, querida Andrée, meu consolo é que são dez e não mais. Faz quinze dias que retive na palma da mão um último coelhinho, depois nada, somente os dez comigo, sua noite diurna, e crescendo, já feios, e nascendo-lhes o pêlo comprido, já adolescentes e cheios de urgências e caprichos, saltando sobre o busto de Antínoo (é Antínoo, não, esse rapaz que olha cegamente?) ou perdendo-se na sala de estar onde seus movimentos criam ruídos ressoantes, tanto que dali devo tirá-los por medo que Sara os ouça e me apareça horripilada, talvez com camisola – porque Sara tem de ser assim, com camisola – e então... Somente dez, pense você essa pequena alegria que tenho no meio de tudo, a crescente calma com que percorro de volta os rígidos céus do primeiro e do segundo andar.



Interrompi esta carta porque devia assistir a um trabalho de comissões. Continuo-a aqui em sua casa, Andrée, sob uma surda grisaille do amanhecer. É realmente o dia seguinte, Andrée? Um espaço em branco da página será para você o intervalo, apenas a ponte que une minha letra de ontem e minha letra de hoje. Dizer-lhe que nesse intervalo tudo se perdeu, onde você olha a ponte eu fácilmente ouço se quebrar a cintura furiosa da água, para mim este lado do papel, este lado de minha carta não continua a calma com que vinha eu lhe escrevendo quando a deixei para assistir a um trabalho de comissões. Em sua cúbica noite sem tristeza dormem onze coelhinhos; acaso agora mesmo, mas não, não agora. No elevador, logo, ou ao entrar; já não importa onde, se o quando é agora, se pode ser em qualquer agora dos que me restam.

Já basta, escrevi isto porque me importa provar-lhe que não fui tão culpado na ruína inevitável de sua casa. Deixarei esta carta esperando-a, seria sórdido que o correio a entregasse numa manhã clara de Paris. À noite virei os livros da segunda estante; eles já os alcançavam, parando ou saltando, roeram as lombadas para afiar os dentes – não por fome, têm todo o trevo que lhes compro e ameixa nas gavetas da escrivaninha. Romperam as cortinas, o estofado das poltronas, a moldura do auto-retrato de Augusto Torres, encheram de pêlos o tapete e também gritaram, estiveram em círculo sob a luz da lâmpada, em círculo e como que me adorando, e de repente gritavam, gritavam como eu não creio que gritem os coelhos.

Quis em vão tirar os pêlos que estragam o tapete, alisar a moldura da tela roída, encerrá-los de novo no armário. O dia sobe, talvez Sara se levante logo. É quase estranho que Sara não me importe. É quase estranho que não me importe vê-los saltar na busca de brincadeiras. Não tive tanta culpa, você verá quando chegar que muitos dos destroços estão bem consertados com o cimento que comprei em uma casa inglesa, eu fiz o que pude para evitar-lhe que se zangue... Quanto a mim, do dez ao onze há como um eco insuperável. Você vê: dez estava bem, com um armário, trevo e esperança, quantas coisas se podem construir. Já não com onze, porque dizer onze é seguramente dizer doze, Andrée, doze que será treze. Então está o amanhecer e uma solidão fria na qual cabem a alegria, as lembranças, você e acaso muito mais. Está esta sacada sobre Suipacha cheio de aurora, os primeiros ruídos da cidade. Não creio que lhes seja difícil juntar onze coelhinhos salpicados sobre a calçada, talvez nem se fixem neles, atarefados com o outro corpo que convém levar rapidamente, antes que passem os primeiros estudantes.

SONETISTA FRACASSADO

Seguindo meus fracassados instintos para escritor, e partindo de 99% de inspiração e 1% de transpiração, meti o cacete em dez sonetos numa porrada só, esquecendo ( e omitindo incompetentemente) que, para confeccioná-los, necessitaria, obviamente, de uma minunciosa precisão métrica, rímica, rítmica, aritmética e acuidade temática. Tal qual um médium gaspareto incorporando Petrarca, Camões ou outro sonetista clássico entusiasmei-me com a parada e os fiz em apenas uma canetada. Empolgadão, mandei-os pra apreciação de um conhecido que entende do riscado. Ele disse na lata: “Não ficaram ruins, só precisam de ajuste na forma e no conteúdo”.

Caralho! Faltou tudo!

Desisti.

Seguem os tais dez. Nunca mais mexo com essa porra!

1 - SONETO CACOFÔNICO

Curvado dentro do confessionário
o jovem rapazinho cochichava
o padre surdo e octagenário
com esforço muito pouco escutava:

Não sei seu Padre o que é que mais eu faço
a minha mina disse “Vou-me já!”
eu nem pus o meu tênis no cadarço
pra cá eu vim medido por radar

Seu Padre eu só disse para ela:
"Eu sempre vi bem que tabu cê tinha,
Pois a verdade é que se ocupa nela!

"Ninguém me herda o amor que ela tinha
Confesso: eu comunguei bem antes dela”
E o velho padre pensa: “Safadinha!”

2 - SONETO AFRO-MITOLÓGICO

A grega Têmis? Deusa da Justiça!
Já o Tranca-rua muito advogava
Terpísicore em Atenas dançava
O Zé Pelintra quando samba atiça.

A Afrodite Deusa da beleza
Tão linda quanto a Pomba-gira é
Os dois mais fortes que ficam em pé
Exu e Zeus dividem a realeza

O brasileiro no atabaque e canto.
Pra invocação já o grego usava a lira
O “daimon” lá é nosso “baixo santo”

Na antiga Grécia como já se vira
É idêntica no mito e no encanto:
Brasil não põe-se nada e nem tira

3 - SONETO RECLAMÃO

Eu fazer um soneto? Mas que b...
Não enche! Tô vendo um DVD
O tal petrarquiano? É démodè!
Conjugo mal o verbo concebê!

A rima, o velho esquema que se dê:
Quarteto ABBA BAAB
Jamais rimar Arena e MDB
Nos tercetos CDC DCD

Tem que ser o decassílado “heróico”
Que dê pra fazer boa escanção
Caramba! Isso me deixa paranóico!

E o tal do enjambement, então!?
Podem considerar-me um estóico,
Não vou fazer o tal soneto não!

4 - SONETO DESAFIADOR

Pois imagine só uma porrada
Botando a giripoca pra piar
Malandro carioca dá uma escarrada
Num nordestino na porta do bar

O nordestino muito arretado
Lhe diz: “Óxente vou lhe abrir o bucho!”
O Carioca: “Qual é mane! Safado”
Tu é cabeça chata e pequerrucho.

Enraivecido o nordestino disse:
“Sou macho e sei que tu é que é um coxo
não me acorvardo siminino. Vice?”

Guardaram a navalha e a peixeira
Caíram numa grande gargalhada
Pois não passa de uma brincadeira

5 - SONETO CONSTRANGEDOR

Peidar no elevador é uma vergonha.
Meleca no nariz ao paquerar.
A mãe flagrar o filho numa bronha.
Trocar o nome quando vai transar.

Seu chefe dar-lhe o maior esporro
Pedir pra sogra ser sua fiadora
Gritar ao afogar-se “Aaai! Socooorro!”
Na cama ver que é Paulo a “Eleonora”

No ranking de todo constrangimento
Há um que fica em primeiro lugar
Se te aconteceu, eu só lamento

Essa humilhação é de arrasar
Maltrata, fere muito o sentimento
Não há pior do que o homem broxar!

6 - SONETO SANGUE BOM

O funk carioca é a voz do morro
Cantado aos quatro cantos da favela
Madames gritam “...aimeudeus socorro!”
Às vezes faz sucesso na novela.

Têm os que se aproveitam dessa parte
Como auto-promoção: são os caetanos
Mas os que legitimam como arte
São sérios e estudam como (her) manos

Libidinosidade é a acusação!
Letra vulgar não é exclusividade
Pois isso sempre houve na canção

A importância social do funk
Não há de ser negada no futuro
Pruma cultura muito mais estanque

7 - SONETO PREGUIÇOSO

Macunaíma disse “Aí que preguiça!”
Confesso: também sou bem ocioso
E trabalhar me deixa furioso
Pois muito esforço a gente até enguiça

Todos me chamam de “Ô preguiçoso”
Sou especialista em encher lingüiça
Quando vejo uma rede grito “Issaaa!”
E tiro um cochilo bem gostoso

Eu instituiria feriado
Segunda, terça, quarta, quinta-feira
Fim de semana eu tava descansado

Agora eu vou pra espreguiçadeira
Sabe por que eu to assim cansado?
Fazer esse soneto deu lombeira...

8 - SONETO BROXANTE

Pitecantropus já nasceu ereto
Cabeça erguida era o Neandertal
Depois veio o que era apenas reto
Na história foi-se abaixando o pau

A evolução da espécie dependia
Pra nossa humana
tempo ia e a peia mais caia
A fêmea sempre na insatisfação

Desculpas pro fracasso do “amigo”
Na frase que espalhou-se feito praga
“Desculpe nunca aconteceu comigo”

Agora um milagre se consagra
Mas não de uma hóstia feita de trigo
E sim com o advento do Viagra

9 - SONETO IMPUNE

Sabia que existe um lugar
Considerado terra de ninguém?
O que eu vi lá não dá pra acreditar
Nem imaginação vai mais além

Lá todo mundo escamoteia e mente
Anônimo é o nome mais usado
Pedófilo transita impunemente
Um criminoso nunca é condenado

Nazismo – é incrível – lá ainda existe!
Estelionatário pinta o sete
Filme de adulto até criança assiste!

Você ta duvidando dessa esquete?
Não to de brincadeira. Não é chiste.
O nome do lugar é Internet.

10 - SONETO MISANTROPÓFAGO
( Para o Glauco Mattoso)

O cruzamento de um Prometeu
Com um Baco bicha e glaucomattoso:
Iniciando um ciclo vicioso
Cagou seu podre fígado e comeu

Mordendo o próprio pau numa dentada
Curvado, mesmo com escoliose
Se engasgou, pigarreou fimose
Cada gomo engoliu sem deixar nada

Regurgitando tudo o que engole
Num auto-enema que sofreu à míngua
Vomita um verso fedorento e mole

O esfomeado cego misantropo
Sentindo um forte cheiro de chulé
Olha pro pé e pensa: “ Ma non troppo!”

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

PLAYBOY FRACASSADO

Papo de butiquim é foda. Tem aquele adágio famoso que diz “ quem gosta piroca é viado, mulher gosta é de dinheiro”. Concordo em parte. Quanto a parte de viado eu não sei nem quero saber.Mas quanto a parte que fala de mulher, eu acho que a frase procede, mas mulher gosta de piroca também. Gosta de dinheiro e de piroca.

Sei lá mermão.

Cabeça de mulher é um bicho doido.Quanto mais você tenta acompanhar os passos da dança, mais você perde o ritmo, e acaba dançando. Mas tem que ser persistente, cauteloso, sagaz. Tentar agradar a fêmea. Ficar sem uma buça é deprimente.

Igual eu com a Adalgisa, a gente ficava terminado e voltado direto. Era igual couro de pica: " Vai-e-volta", vai-e-volta".

Falando em pica, tem aquela outra frase que eu gosto muito: " Amor de pica quando bate fica".

Crio a minha: " Amor de xana quando bate gama". É, não rimou, mas é a pura verdade.

Mas, na moral : cada sacrifício que eu já fiz por causa de uma buça. Não que eu queira dizer que não tenha valido a pena. Valeu. Valeu e muito. Mas o lance é a garantia do retorno da buça. Aí é que o negócio fica difícil.

Igual ao que aconteceu comigo há alguns anos atrás. Rolou um lance maneiro, que eu consegui desenrolar com a gata mais gostosa que eu já vi, a Claudinha. Época de faculdade. A rapaziada da Engenharia ficou doida na noite que eu passei com a morena na frente da faculdade.

Caralho! Eu, pobre, gordo sebento, barriguão de chopp e com uma cavala daquela. Morenona, cabelão pretão lisão, pernas roliçonas sem uma estria, um rabo "deeessse" tamanho, uma buceta pequinininha, apertadinha, que dava pra ver pelo "paninho mordido" na calça jeans.

Neguinho endoidava. Me sacaneavam perguntando se era macumba que eu tinha feito. Eu mandava aquela clássica: “ Mulher emprenha pelo ouvido, mermão. Tem que ter lábia. Pode ser baixinho, caolho o escambau, a parada é o lero maneiro”.

Tudo mentira! Lero porra nenhuma, o lance era grana. Se mulher gosta de piroca e grana, piroca eu tenho... “Mas e a grana?” Cê me pergunta. Mas foi aí que a coisa começou. Vô contar. Eu conheci a Claudinha foi no começo do ano letivo. Eu tava sentado na barzinho em frente a faculdade e chegou o Marco Aurélio, camarada que estuda comigo, com a prima à tira-colo. Era ela.

Fiquei maluco quando vi aquela mulher deliciosa! Mas rapidinho eu tirei a idéia de cabeça e botei a viola no saco. Quando que uma mulher dquela ia me dar mole? Logo eu, fudidão. Cheio de playboy na facú. Neguinho de Audi, BMW, o caralho e eu a pé.

O Marco Aurélio se sentou, me apresentou a prima, e foi logo pedindo mais dois chopps. Antes do garçon trazer, a Claudinha pediu licença para ir ao “toallete” e saiu.

Fui logo perguntando:

- Porra! Que mulezão é esse? Olha lá maluco! Tá todo mundo no bar olhando pro rabo dela. Cê tá pegando Marcão ?

- Qual é rapaz?! Ela é minha prima. Fomos criados juntos desde criança. Nem rola nada. O lance é fraternal mesmo.

- Cê tá de sacanagem! Prima não é parente não, porra!

- Tô falando sério. Serinho. Rola nada. E outra coisa: pode tirar seu pangarezinho da chuva que ela é a maior interesseira. Na boa. È minha prima e tal, gosto dela muito, mas admito que ela é a maior patricinha, só cola com maluco baludo. Avalia o pretendente pela conta bancária...

- Porra, então eu tô sem chance mesmo... Minha conta no Bradesco tá zeradinha da silva.

E rimos juntos da minha miséria bancária.

- Que que vocês tão rindo tanto? - perguntou a Claudinha voltando do banheiro.

- Nada não prima. Coisa de homem...(...) Minutim só que meu celular tá tocando...Com licença.

Enquanto o Marco Aurélio se levantou pra falar no celular, eu tentei puxar conversa com a deusa.

Ela não me deu muita idéia. Nem olhava na minha cara enquanto respondia minhas perguntas:-

" Não, não sou daqui não. Unnhunn! (...) Sim. (...) Fiz Arquitetura e Urbanismo(...)"

Eu tava me sentido um idiota. Tentando puxar papo com uma mulher maior mercenária que, de cara, percebeu que eu sou um fudido.

Até que o Marco Aurélio voltou e disse:

- Gente cês me desculpem, mas eu vou ter que rapar fora. A Mariângela tá passando mal e ela tá na casa da mãe dela. Vou lá ver o que que tá havendo. Cê fica na boa Claudinha?

- Porra Marquinho! Cê falou que ia me dar carona até e casa da tia!

- Pô, vai dar não Claudinha. A casa da minha mãe é prum lado e o da minha sogra pe pro outro.Dá pra ir à pé. O Alessandro te acompanha à pé até a mãe, não leva Alessandro?

Falou pra mim com cara de quem tava pedindo um favor.

- Levo, na boa. Meia horinha a gente chega lá.

- Valeu gente. Tchau!

- Melhoras para a Mariângela.

-Tchauzinho primo!

E ficamos eu e o espetáculo de morena juntos.Eu sem assunto nenhum, já entregando os pontos. Já tava botando na cabeça a idéia de que ia ser só um amiguinho dela até que eu parei e pensei:

“Porra, se a mulher é declaradamente maior mercenária, interesseira do caralho, porque eu não jogo sujo também? Vai que cola?”

E danei a inventar coisas. Disse que tava deprimido porque eu havia perdido um tio há pouco tempo um tio que me adorava. Que esse tio era um milionário e que eu tava tão transtornado com o falecimento desse ente tão querido que eu nem me preocupara com a herança que disseram que estava depositada na minha conta bancária.

- Mas você não foi nem ver quanto é que ele depositou? E se for uma fortuna? – perguntou a Claudinha, com os olhinhos já brilhando de ganância.

Eu já fisgara o peixe - a sereia, melhor dizendo - o negócio era conseguir tirá-la da água a colocar na mesa pra comer.Propus que saíssemos do bar e fôssemos para a casa da tia dela.

Fomos todo o trajeto falando desse meu fictício tio milionário. Fazendas, sem filhos e me amava como um filho, empresas. E que eu era meio hippie, hermitão, que não rasgava muito pra esse lance de grana...

Até que chegamos na casa da tia dela:

- Olha só Alessandro, que tal se formos amanhã lá no banco ver quanto foi depositado na sua conta? Vai ver você tá rico e nem sabe...

- Ué...Vamu ué...Que horas te pego aqui?

- Que banco que é?

- Bradesco.

- Eu sei onde é. Então te espero lá na porta do banco amanhã às onze horas, tá?

Eu sentia que a buceta dela já devia estar latejando. Esse era o afrodizíaco da morena: Grana. Muita grana!

- Tão tá, tá marcado!

Esperei ela entrar na casa - com um tchauzinho pra mim! – e saí em disparada em direção ao Bradesco. Já sabia o que ia fazer, mas tinha que ser antes das vinte e duas horas, que é a hora que o Caixa Eletrônico do Bradesco desligava.

Cheguei quase na hora de fechar, às vinte uma e quarenta e cinco. Peguei logo um envelope de depósito, assinei um cheque meu no valor de trezentos mil reais, enfiei o cheque assinado dentro do envelopinho de depósito automático, preenchi na solicitação do sistema o valor e pronto. Trezentos paus na minha conta. Bem, pelo menos até descobrirem que o cheque era sem fundo, que ia ser no dia seguinte lá pelas onze e trinta, enquanto eu tirasse o extrato, ia sair os trezentos mil na minha conta, numa parte do extrato que menciona valor pendente. Mas, por incrível que pareça, não vem nada escrito não. Só uns códigos específicos, que só o pessoal do banco conhece, e lá bonitão: SALDO: TREZENTOS MIL REAIS!!

No dia seguite tava eu lá, e onze horas em ponto a Claudinha já até tinha chegado. Toda maquiada, um vestidinho fininho que aparecia até os bicos dos peitos. Calcinha enterradinha naquele bundaço maravilhoso.

- Oi menino rico!

- Oi gatinha! Vamos ali tirar o tal extrato? Na verdade, nem faz muita diferença pra mim se tiver ou não tiver dinheiro. Pior! A presença do dinheiro acaba confirmando a morte do meu tio querido...

- Ahhh! Para de falar! Se tio morreu e ele não ia carregar a fortuna dele pro caixão, ia?Vamos lá ver...Vai, tira o extrato aí...

A Claudinha nem esperou o papelzinho do extrato sair todo, já foi metendo a mão e puxando e quase rasgando. Ansiosa. Nervosa. Mais nervosa que eu, que tinha perdido meu tio. Porra a mentira tá tão convincente que até eu tava começando a acreditar naquela porra...

- Putaquepariu Alê! [ primeira vez que ela me chama por esse nome carinhoso] Tem trezentos mil reais na sua conta! É muito dinheiro! Vamos comemorar! Vamos comemorar!

Rápido como um cowboy de faroeste, eu mandei:

- Vamos sim, mas agora eu não posso mexer nessa grana não porque ainda falta meu advogado confirmar se isso é tudo que cabe à minha parte nos bens. Se eu mexer, e tiver mais grana pra receber eu acabo deixando de receber...Mas meu advogado disse que não vai demorar mais do que umas duas semanas pra resolver isso.

- Ahhh! Que pena! Mas tá bom, o que importa é que a gente já tem garantido esses trezentos né?

“A gente?”-pensei eu. Que mulezinha mais ordinária. Mas o bom é que cada vez que ela, no desespero pelo dinheiro, se abria mais, se mostrava mais filhadaputa, mais diminuía meu sentimento de culpa pela mentirada. E o principal, ainda estava por vir, esplanei:

- Não é porque a gente não pode tirar o nosso dinheiro agora que a gente não vai poder comemorar. Enquanto nós não ficarmos ricos de vez, nós devemos aproveitar a vida de pobre, porque daqui há duas semanas nossa vida vai ser completamente diferente. Só luxo... - falei.

Mandei na lata da vadia:

- Vamos prum motelzinho bem fuleiro que tem aqui perto? Eu quero trepar contigo a noite inteira num colchão bem vagabundo, porque nessas próximas semanas estarão as últimas oportunidades da gente poder curtir essa vida de pobre. Depois não vai dar mais, vai ser só requinte e sofisticação.

Nem fiquei espantado quando ela disse:

- Claro que sim! Vamos fuder num lugar bem sujo, bem rampeiro. Daqueles que tem cheiro de porra velha no lençol, pentelho no travesseiro e carrapato no carpete. E quero que você coma meu cuzinho a noite inteira! Vou chupar seu pau, vou beber sua porra todinha!

Putaquepariu. Fiquei de pau duro ali mesmo, ouvindo aquilo. Quase esporrei na calça. E fomos pro motel.

E a coisa rolou do jeito que ela disse que ia rolar, a noite inteira. Sai de lá com a pele do caralho toda esfolada. Até porrada na cara ela recebeu. Pingo de vela derretida no mamilo e pau enfiado até as bolas no cuzinho. Fiquei arrebentado, dormi o dia inteiro.

No dia seguinte, pela manhã, recebo um telefonema do gerente do Bradesco dizendo que queria conversar urgente comigo. Num tom raivoso, disse que havia um sério problema na minha conta corrente. Eu já sabia mais ou menos do que se tratava, mas fui assim mesmo. Cheguei lá, e o Laércio, esse era o nome do gerente, foi logo me passando um sabão:

- Você sabe o problema que você nos causou fazendo essa brincadeira idiota? Isso se for brincadeira, pois você pode ser processado judicialmente por lesar o banco, alterando nossos fundos internos de investimentos interligados aos depósitos!

Eu não ouvia nada do que aquele mané falava. Só pensava no cuzinho e na bucetinha a Claudinha. Até se eu fosse em cana valeria a pena comer aquela mulher como eu comi.

- E o superávit oscila e blábláblá....

Até que a mala parou de matraquear. E arrematou:

- E o senhor tome mais cuidado da próxima vez que fizer isso, pois sorte sua que a tesouraria do Bradesco é competentíssima e sempre vem mais cedo pra fazer o levantamento dos depósitos. Graças aos nossos excelentes funcionários, o senhor não se meteu numa enrascada ainda maior. Me acompanhe.

Fui seguindo o cara até as baias da tesouraria.

De repente ele pegou no meu ombro e disse apontando para dentro de uma salinha que estava escrita "Chefe de Tesouraria" na porta:

- Agradeça a senhora Claudia, tesoureira experiente, por ter chegado ontem às sete da manhã, detectado o problema e salvado a sua pele. Senão ela ia estar toda esfolada...