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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

BIÓGRAFO FRACASSADO

Vida de biógrafo não é fácil: recolhimento de dados, pesquisas, fotos, jornais, depoimentos, entrevistas, leituras de livros e revistas e o escambau. Todo esse trabalho hercúleo só pra fazer com que os curiosos pela vida alheia saibam mais sobre os - sempre famosos e consagrados - biografados.

Me meti nessa, tentando inverter a lógica do mundo das biografias. Peguei dois artistas totalmente desconhecidos pelo público e fiz duas mini-biografias, de forma que, com esses pequenos textos, eu pudesse apresentá-los às editoras que se interessassem em publicar suas tão instigantes e conturbadas vidas artísticas. Em concomitância com as biografias, empreendi uma árdua análise de suas geniais e desconhecidíssimas obras.

Trabalho de pesquisa filhadaputa!

Li mais de quarenta livros para poder tentar decifrar suas tão bem engendradas manifestações artísticas.

Os personagens são MC MARCÃO, O CONCRETISTA, um pedreiro-poeta-concreto e PAULINHO CACETETE com seu desconhecido samba serial da década de 70.

Como fracassado que sou, é lógico que as editoras devolveram de bate-pronto as trabalhosas pesquisas que fiz.

Pra que essas duas pérolas da arte não se percam no total ostracismo, seguem os pequenos textos que elaborei sobre os dois.



MC MARCÃO, O CONCRETISTA

MC Marcão ou Antônio Marcos Silveira, nasceu em Madureira, subúrbio do Rio, em 1967. Em 1985, começa a trabalhar de servente de pedreiro em quase todos os bairros da periferia do Rio de Janeiro. Nessas andanças encanta-se pelo ritmo funk e passa sua adolescência e juventude em meio a este clima musical.

Com a ampliação do acesso à freqüência FM, a partir da década de 80, o funk no Rio começou a ser influenciado por um novo ritmo da Flórida, o Miami Bass, que trazia músicas mais erotizadas e batidas mais rápidas. Marcão, então, enquanto chapiscava uma parede, assentava um azulejo, só ouvia a FM O Dia, pois só a FM O Dia dedica grande espaço em sua grade horária para os falsos sucessos feitos no ritmo funk, um dos mais famosos é a regravação de uma música de Raul Seixas: o "Rock das Aranhas" que vira hit e se junta a ele outras músicas feitas com muito humor e sem muito apelo político como adaptações de músicas do funk norte-americano e gravações de cantores latinos como Steve B, Corell DJ, entre outros MC's. Dentre os raps que marcam o período mais politizado (mas sem perder o humor) no funk é o "Rap do Acari" que abordava o tema da famosa Roubauto, feira de peças de carro roubadas pelas cidade - a feira muito eclética era sinônimo da precariedade do acesso dos pobres da periferia e outros marginalizados à bens de consumo.

Marcão, desolado por já estar com os dezoito anos e ainda ser analfabeto, pede para seu amigo de obra, o pedreiro Tuto, para lhe ensinar a ler e a escrever. Tuto, leitor voraz, recentemente enebriado por um livro concretista que caíra-lhe nas mãos, decide educar Marcão através do livro Viva Vaia do poeta concreto Augusto Luís Browne de Campos. E, depois de alguns meses, consegue.

A partir desse momento, Marcão passa a ler somente poesia concreta. Continua trabalhando como servente de pedreiro e começa a arriscar seus próprios poemas. Como os seus ídolos Augusto de Campos , Décio Pignatari , Haroldo de Campos e Luiz Sacilotto , Marcão então ( com o perdão do trocadilho) apenas um servente de pedreiro no grande edifício do concretismo escreve seus primeiros versos:

PRATO CHEIO

Bom apetite!
Bonapetit!
Boit!
Arros e fej/ ã/ o e farinhosca
Com doeis O(vos) en CISMA
E 2ª conchacrá de marlhe de corno
Tô de bucheio!

Marcão, depois de concluir estes versos, mostra-os aos amigos de obra que, não entendendo patavinas, começam a debochar do poeta. Ele não esmaecia e explicava pra rapaziada que seus versos defendiam a racionalidade e rejeitavam o expressionismo, o acaso, a abstração lírica e aleatória e que não havia intimismo nem preocupação com o tema, seu intuito era acabar com a distinção entre forma e conteúdo e criar uma nova linguagem, propunha a obra pela obra.

Geladeira, o mestre-de-obras , ao ver que os devaneios líricos do rapaz estavam atrasando a conclusão da obra, chama-o num canto para repreendê-lo. Marcão, após o sermão profissional do seu superior, passa a se envolver em temas sociais. As obras passam a ser mais e mais preocupadas com a inovação da linguagem. Marcão tinha em Vladimir Mayakovsky um grande expoente; repetia, entre o assentamento de um tijolo e outro, a afirmação do poeta russo que não há arte revolucionária sem forma revolucionária.

Marcão é despedido da empreiteira.

Marcão,então , consegue vaga como carregador de caixa de som na Equipe de funk Cash Box. Seus serviços eram tão eficientes que passara a trabalhar de carregador de caixas em quase todas as equipes do Rio: Jet Black, Disco Dance, Signus, A Bolha, Supersonic, Hollywood e Studio Ld. Adorava a idéia: tinha tempo para continuar a escrever seus poemas ( desde que carregasse as caixas, ninguém lhe enchia o saco) e sempre pegava uns bailes de graça.

Só que ele descobre que ainda não trabalhava de carregador para as melhores. Nesta época surgem, com destaque A Coisa, O Kakareko e as duas grandes rivais Pipo's e Furacão 2000 que organizavam bailes dançantes. Nos dias de folga passa a frequentar os primeiros bailes fechados em clubes da periferia como a Paratodos da Pavuna, Pavunense, Exentric (Duque de Caxias).

Marcão, entre carregar caixas, escrever poemas concretos e curtir bailes maneiros, passa a ser testemunha ocular do início desse fenômeno musical carioca.
Ao longo da nacionalização do funk, os bailes, até então, realizados nos clubes dos bairros das periferias da capital e região metropolitana, expandiu-se para eventos em céu aberto, nas ruas, onde as equipes rivais se enfrentavam disputando quem tinha a aparelhagem mais potente, mais traficantes, o grupo mais fiel e o melhor DJ. Neste meio surge o DJ Malboro, um dos vários protagonistas do movimento funk.
Com o tempo, o funk ganha grande apelo dos marginalizados e se afirma como a voz da periferia, cujas letras cantadas pelos MCs, enfatizavam às reivindicações populares pelo combate da violência policial nas comunidades carentes dos morros cariocas. As músicas tratavam o cotidiano dos freqüentadores: abordavam a violência e a pobreza das favelas.

Marcão percebera, nessa época, que havia um grande silêncio sobre o funk, que continuava a ser popular nas rádios piratas (algumas eram de controle das equipes de som) e agora tratam dos temas ligados aos grupos criminosos, como o Comando Vermelho, ADA e etc, servindo como inspiradores de combates e aviso sobre a troca de comando local, ou sobre a sujeição dos moradores da área a nova ordem: o funk falava principalmente sobre as drogas, as armas, os comandos, muitas vezes convocando moradores de favelas a participar de atos de violência ou pregando o extermínio de inimigos.

Marcão desiludido com a pobreza lírica dos versos dos funks, passa a compor letras grandemente influenciadas pela poesia concreta. Como tinha boas influênias no meio, mostra para quase todos os DJ’s conhecidos e donos de equipes:

VAI PRA VALA

Vala prai
Prala vai
Lapra pai
Pra vai vala

Nesta mesma época da composição de Vai pra Vala, o funk adota como temática o sexo apresentado sempre como uma simples cópula, muitas vezes acompanhados de gritos e gemidos. Não por acaso bailes funk passaram a ter bacanais entre os participantes, na maioria das vezes menores de idade. Tais orgias começavam após a execução de alguma música que era previamente conhecida como sinal para o início do sexo. Surgiram nas favelas os bebês "filhos do trem", crianças geradas em "trenzinhos" por sexo de adolescentes com desconhecidos. Nacem daí hits como “ A Dança da Chapeleta”, “Dança da cabeça” e “Dança da bundinha”, entre outras. Marcão, com toda a sensuualidade dá luz a :

DANÇA DO ABORTO

( Para Stéphane Mallarmé, James Joyce, Ezra Pound, Vladimir Maiakóvski, Arnaut Daniel e E. E. Cummings.)

Dança do aborto. Você meche a bundinha e o bebê nasce morto.
Dança do aborto. Você meche a bundinha e o bebê nasce .
Dança do aborto. Você meche a bundinha e o bebê .
Dança do aborto. Você meche a bundinha .
Dança do aborto. Você meche .
Dança do aborto. Você.
Dança do aborto.
Dança .
;D

Sem muito sucesso com essa canção, Marcão segue sua vida.

Evidentemente os bailes funk também propiciaram a expansão da AIDS nas favelas cariocas. O jornalista Tim Lopes morreu assassinado por traficantes de drogas quando investigava denúncias de exploração sexual de menores em bailes funk. Alguns artistas desta fase, como Claudinho e Buchecha, enveredaram para outros tipos de tema. Os chamados "charmeiros" são um grupo de resistência a este cenário, mas que acabam sendo suprimidos, inclusive, pela mídia. Ao mesmo tempo que as músicas abordavam o cotidiano das classes baixas, alguns bailes começaram a ficar mais violentos e ser palco de "brigas de galeras", onde pessoas de dois lugares dividiam a pista em duas e quem ultrapassasse as fronteiras de um dos "lados", era agredido pela outra galera. Os chamados “Lado A” e Lado B”. Estas galeras podiam ser representadas por moradores de um vs. outro bairro, torcidas organizadas de times, grupos de equipes rivais, grupos de facções rivais, etc...Marcão compõe a canção
Lado C:

LADO C

Lá doce. ¨Tem¨ -o-o-o- Lado cê. Tam nrevoso. Lá / dô / cê
Pancaradariafolgolfadasãodesanguesapasindoponaparipiz
Con – spiração terrorista
Com – trafação ninilista
Cam – pesinidade suburbana
Bem
Bom

Este poema é uma teia de elos sonoros e semânticos meticulosamente construída. Lado C” é o tema que se expande. “Tem” em forma de cruz para cima (“tem”), para um lado (“tem”), para o outro (“tam”) e para baixo (“tom”). “São” o faz em diagonal “som” e “sem som” . Os elementos que sobram formam um triângulo: “con”, ”com” e “can”- e uma diagonal: “bem”, “bem”. Todos estão a uma mesma distância do centro que é um nó em tensão. Segundo os princípios das palavras, há quatro grupos (“t”, “s”, “k” e “b”, mas há somente um se considerarmos as letras finais (todas estão enlaçadas pela nasalização). Assim como Marcão extrai quantidade de possibilidades do visual das palavras, também aproveita sua sonoridade, indo do “com som” ao “sem som” e extraindo valor onomatopaico das sílabas. Ao fazer um percurso clássico do olhar – da direita à esquerda -, vê-se que o poema é a tensão entre o silêncio: do “com som” ao “sem som”.

A pressão da polícia, da imprensa e a criação de uma CPI na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro em 1999 e 2000 suprimiram bailes, principalmente, os próximos a áreas urbanas nobres, pois além da potência das caixas de som estarem sempre acima do permitido normalmente 85dB (decibéis) por lei ,geralmente, eles começavam depois das 22h - e acabaram com a violência em poucos dos bailes,pois a maioria sempre acabava em tiroteio, ao mesmo tempo em que as músicas se tornaram mais dançantes e as letras mais sexuais. E o consumo de drogas nos bailes era evidente.MC Marcão prontamente fez Coca-cola II.

COCA-COLA II

CHEIRE COCA COLA
CHE COCA
CHEIRE COLA
CHEICO RELA
CHEIRAÇÃO NO OLHO DO BAILE DA FURACÃO

Vemos que o funk-concretismo, ao oferecer possibilidades várias de leituras, como se pode verificar pela análise do poema, em que o caráter esotérico é substituído por forte ideologia.

Não obstante MC Marcão falar apenas em antipropaganda, ao referir-e a este poema, analisando mais profundamente as coordenadas fonêmico-semânticas dos vocábulos que se metamorfoseiam ao longo do texto, observamos que subjaz às palavras um conteúdo que vai além do meramente verbivocovisual. Já no segundo movimento, a metátese fonêmica que redundou na passagem de cheire para che, evidencia o processo ideológico e o discurso do silêncio, subjacente ao visual. Beber coca-cola não figura nos países do Terceiro Mundo, tão-somente como ato de sorver o liquido e matar a sede; é, antes, o ato de absorver uma cultura que se coloca por trás do discurso visual, ou se mistura com a essência da cocaína. Che, além de se referir diretamente ao ato de revolucionar, próprio de quem vai ao poete sem se precaver, reserva uma carga semântica que se interconecta às conseqüências da perda da identidade cultural. Esse raciocínio se clarifica quando verificamos que rela se correlaciona, ainda, a fala melíflua, fala enganosa da propaganda e do domínio cultural que se impõe aos povos subdesenvolvidos. Alicerçando nossa interpretação, observamos que a ação de cheirar não se refere somente mais a cocaína, como o fizera a de che, mas a cola. Ora, cheirar cola é, de certa maneira, aderir ao consumismo, que compreende toda a dinâmica do capital e, sobremaneira, do copismo cultural.

E Marcão, infelizmente, ainda não conseguira seu tão esperado sucesso.

Do morro ao asfalto o funk conseguiu, de uma maneira não muito usual, mascarou seu ritmo, mostrando-se mais parecido com um rap americano e integrou um pouco mais as classes cariocas. Seu ritmo hipnótico por sua batida repetitiva também contribuíram para essa adoração, algumas letras eróticas e de duplo sentido normalmente desvalorizando o gênero feminino também revelam uma não originalidade em copiar de outros estilos musicais populares no Brasil como o Axé music e o forró.
Acreditando no próprio talento e insistindo na fama,o já autodenominado MC Marcão delineia sua obra mais fácil: Cabaço. A letra de caráter assumidamente popularesca ( MC Marcão, já com 4 filhos pra criar, decide não arriscar mais no hermetismo) e propõe um novo limite da poesia, não mais a linearidade do verso, mas o espaço bidimensional da página, e que depois, passa a ser explorado inclusive em perspectiva, passando para a ilusão da tridimensionalidade, abrindo um leque de possibilidades criativas .

CABAÇO

;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;Cabaço baço aço çoba aboça ;;;;;;;;;;;;;;;;;çobaça
aboça çobaça Cabaço ;;;;;;;;;;;;;;; baço aço
baço aço çoba aboça çoba aboça çobaça
baço aço çoba aboça çobaça ;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;

Com o conceito de verbivocofunkvisualidade, Marcão buscava definir sinteticamente as possibilidades da palavra neste tipo de poesia. Além da palavra enquanto signo oral e escrito, cores, formas e o próprio espaço eram elementos de composição. Este poema fundado nas possíveis permutações de letras dessa palavra ( Cabaço), a qual, como que por acaso, só é legível uma vez em todo o texto, e esse acaso, perdido no aparente anonimato de seqüências de letras privadas (ou quase) de semântica (digo 'quase' porque numa delas, por exemplo, se pode reconhecer a palavras cabaço ... ), é que constitui a informação estética, poema, utilizando 60 combinações possíveís entre as seis letras de cabaço, dividídos em grupos de 6 combinações cada. A relação entre o significado da palavra "cabaço" e o poema é evidente.

MC Marcão, o degregado do funk, o paria, continua lutando, depois de mais de 30 anos, entre a fusão da poesia concreta o o funk carioca. Quanto mais o funk torna-se popular, mais MC Marcão cai no ostracismo.

O funk, no século XXI ganha espaço fora do Rio e reconhecimento internacional, quando foi eleito umas das grandes sensações do verão europa de 2005 e ser base para um sucesso da cantora inglesa MIA, "Bucky Done Gun". Um dos destaques desta fase, e que foi objeto até de um documentário europeu sobre o tema é a cantora Tati Quebra-Barraco que se tornou uma figura emblemática das mulheres que demonstra resistência à dominação masculina em suas letras em que põe a mulher no controle das situações.

Com o nascimento de novas equipes de funk e rádios de funk, além do interesse cada vez maior nos bailes, principalmente o Baile do Castelo das Pedras, em Rio das Pedras, Zona Oeste, o funk vem se firmando como um ritmo forte e crescente.

E Marcão continua até hoje compondo suas letras, e acreditamos que em breve sua genialidade será reconhecida.


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PAULINHO CACETETE E O DESCONHECIDO SAMBA SERIAL DA DÉCADA DE 70

Desconhecido do público e rejeitado pela crítica, Paulinho Cacetete, nascido em 19 de fevereiro de 1946, em Austin, Baixada Fluminense, foi o idealizador do projeto samba serial. Samba serial é uma subdivisão do serialismo. O serialismo é um método de composição musical surgido na primeira metade do século XX como desdobramento do dodecafonismo.

De fato, o próprio dodecafonismo é às vezes chamado também de serialismo. Portanto, para evitar ambigüidades, usa-se a denominação serialismo dodecafônico ou simplesmente dodecafonismo para fazer referência àquele, sendo o serialismo propriamente denominado preferencialmente serialismo integral.

A diferença entre os dois sistemas está em que o serialismo integral, no limite, se baseia numa série para ordenar todos os parâmetros do som em uma peça. Desse modo, duração, timbre, altura e intensidade são, todos eles, definidos a partir de uma série, que nesse caso, em geral se organiza como uma série de razões do tipo 2:3:7:5:1 etc.

Samba Serial é, portanto, a intersecção entre o samba de raiz e o serialismo.

Os sambas de Cacetete totalmente serializados incluem Carne Esponjosa, (1974) para 18instrumentos, e Carne Mijada I, para dois pianos e um pandeiro. Carne Esponjosa foi também ponto de inflexão para Cacetete. Como uma das obras mais visivelmente serializadas em sua totalidade, serviu de archote de iluminação para diversas espécies de criticismo. Deste samba, pode-se afirmar acerca dos versos de Carne Esponjosa a ascensão de um suspiro. De um suspiro, sem nenhuma dúvida, mas antes uma descida que uma ascensão onde o hermetismo aparente serve-lhe com freqüência para dissimular suas preocupações eróticas.

CARNE ESPONJOSA

Sou professor de Semiótica na UFRJ
nunca comi aluna nenhuma
Por isso sou considerado um idiota
Desde o Leblon até Inhaúma

Mas tenho um ponto a meu favor
Uma protuberância indecente
em algumas pessoas causa horror
mas provoca lascívia nas discentes

Tenho uma carninha gostosa
Em relevo na minha perna
É minha carne esponjosa

Tenho uma carninha gostosa
Em relevo na minha perna
É minha carne esponjosa

Na revista Sururu de Capote ( nº 6, de maio de 1976), Pedrão Bombeiro publicou artigo em que examinava os padrões de duração, dinâmica e timbre da obra Carne Mijada I, e chegou à conclusão que um timbre único não encaixava no modelo, que ele então continuava a questionar em exasperante detalhamento. Essas críticas, combinadas com o que Cacetete sentia, foram “uma falta de flexibilidade expressiva na linguagem”, como ele delineou em seu ensaio “Beneplácito de cu é rola”,levaram Cacetete a refinar sua linguagem composicional. Ele destilou o sentimento de total serialização para dentro de música mais sutil e fortemente gestual ( a coreografia erótico-minimalista de Couro de Pica), e manteve secretos seus métodos de composição, para previnir pessoas como Pedrão de discutir sua técnica, em lugar de focar no conteúdo de sua música. A mais forte aquisição de Cacetete nesse método é sua obra-prima Carne Mijada II para conjunto, trigogô e voz, de 1978-1979, uma das poucas obras de música avançada dos anos 1970 a manter-se no repertório.


CARNE MIJADA II


O buraco da vagina é um buraco imundo
É um buraco pra dentro e acumula mijo
E o que mais me intriga é que ele não tem fundo

Eu meto o cacete até o talo e não encontro o fundo
Dois palmos de cacete rijo
E eu não acho fundo no buraco imundo

A experimentação na vida de cacetete:
Depois de Carne Mijada II, Cacetete começou a fortalecer a posição dos compositores da música pós-Ditadura. Ele também começou a considerar novos caminhos para sua própria obra. Com Corpo Cavernoso para apito, repique, tarol e soprano, ele começou a trabalhar com uma idéia de improvisação e de finais abertos. Ele considerou como o meaestro ( denominação criada por Cacetete como “fusão entre mestre sala e maestro”) deveria estar apto a 'improvisar' sobre notações vagas, tais como a fermata, e como os tocadores podiam 'improvisar' sobre durações irracionais, tais como notas adicionais e rítmicas. Para além disso, ele trabalhou com a idéia de deixar o ordenamento específico de movimentos ou seções de música abertos para serem escolhidos para uma noite particular de uma apresentação, uma idéia relacionada com a forma móvel de Karlheinz Stockhausen. Curiosamente, embora as duas obras pareçam semelhantes hoje, e certamente representam a mesma impecável técnica, Corpo Cavernoso não foi recebida tão bem quanto Carne Mijada I. Stravinsky, por exemplo, odiava a primeira, mas amava a última. Leci Brandão, declarou timidamente, em entrevista à Sururu de Capote ( nº 47, de junho de 1984) que gostara somente de Carne Mijada II. Essa é talvez mais um barômetro cultural do que reflexão sobre o trabalho em si. Durante o tempo em que Cacetete estava testando essas novas idéias, aqueles colegas que nunca tinham estado inteiramente confortáveis com a proeminência de uma linguagem musical rigorosa, como Beto-sem-braço, trouxeram um contra-argumento musical convincente para os ideais musicais de Cacetete. Em uma reviravolta poética, Cacetete moveu-se de um respeito irrestrito a Martela o Martelão ( depois citada em canção do Bonde do Tigrão), significando “o martelo da cabeça rachada”, para aparente decepção com A racha azeda (Dobra sobre dobra), que dialogou com um poema de Stéphane Mallarmé sobre a exasperante impotência de um pedreiro, incapaz de levantar sua “ferramenta de trabalho”.

A partir dos anos 80, começando com a Terceiro Batuque para Piano (1985), Cacetete experimentou com o que ele chamou de casualidade controlada e desenvolveu seus pontos de vista sobre música aleatória nos artigos Gislene e Cleuza, que queres vós de mim? na revista Sururu de Capote ( nº 96, de dezembro de 1989). Seu uso da casualidade – que iria posteriormente empregar em composições como Ai minha bola do saco! e Tripa Lombeira é melhor do que o Angu do Gomes – é muito diferente daquele, por exemplo, utilizado por John Cage em suas obras. Enquanto na música de Cage aos executantes é-lhes dada freqüentemente a liberdade para improvisar e criar sons completamente novos, nas obras de Cacetete eles somente podem escolher entre possibilidades que foram escritas em pormenores pelo compositor – um método que é freqüentemente descrito como forma móvel.

Década de 1990 na vida de Cacetete:
Alguns críticos têm acusado Cacetete de experimentar tardiamente as modas musicais francesas e norte-americanas nos anos 70, por exemplo, o Chuta que é Macumba para orquestra dividido em oito grupos foi visto como sob a influência do minimalismo americano. Nenhuma dessas modas pareceu encaixar bem em Cacetete, e gradualmente, Cacetete fecha o livro sobre esse tipo de experimentação. Algumas revisões posteriores de suas obras, tal como um ordenamento fixo para os movimentos de Chuta que é Macumba II (que previamente podia ser tocado em qualquer ordem), são vistas como reação contra a mencionada linha de crítica. Cacetete pessoalmente explicou que – depois de trabalhar um pouco com a referida composição – parecia que havia, enfim, a melhor ordem: aquela que ele escolheu!

Contudo, Cacetete tinha tido, antes disso, uma forte tendência a considerar todas suas peças como trabalho em andamento. Sua produção, desde a década de 1970, tinha desacelerado consideravelmente; as obras tendem a ser completadas depois de muitos anos, e algumas, como a Terceira Esporrada para Piano (1956- ), permanecem inacabadas, embora dois de seus planejados cinco movimentos venham sendo executados. ...évelho-mais/émeu---porra!..., (é o título da peça) é efetivamente um concerto de caixa de fósforo com eletrôtetônica ( misto de eletrônica e Eletrotécnica, curso que fez no Senac), foi a princípio escrito nos anos setenta (1970) e completamente revisado nos anos noventa. Uma de suas primeiras obras Nabunda nada? para piano (1955), que consistia de pequenas miniaturas, está hoje no processo de ser transformada em uma peça para orquestra, com seus diminutos movimentos para piano metamorfoseados em ciclo orquestral monolítico. No mínimo sete movimentos desse projeto foram concluídos.


TERCEIRA ESPORRADA PARA PIANO ( Bolero de Ravel em Samba de Breque)

T-T-T-T-T-T-T-T-T-T-Terceira
Eira-a-a-a-a-a-a-a-a-a-a-a-a-a-a
Esporr
ada
p-a-r-a--p-i-a-n
o

g-g-g-g-g-o-o-o-o-z-z-z-z-e-e-e-i-i-i-i

Exame de próstata ( 1990-1994) trabalha com a idéia musical de ressonância e a espacialização dos sons que - criados pelo conjunto - fossem processados em tempo real (a música eletrônica era normalmente criada penosamente em situações controladas, e então gravada em fitas, e assim 'fixadas' em um substrato para poder fazer uma apresentação).

Cacetete é particularmente talentoso por suas interpretações sambísticas cultivadas de clássicos do século XX: Claude Debussy,Gustav Mahler, Arnold Schoenberg, Igor Stravinsky, Béla Bartók, Anton Webern e Edgard Varèse. Em 1984, ele regravou em ritmo de maxixe toda a obra de Frank Zappa . Seu repertório do século XIX focaliza Ludwig van Beethoven, Hector Berlioz , Robert Schumann e especialmente os tambores africanos.

Um comentário:

FÁBIO ELIONAR disse...

Os textos estão fantásticos. Este do funkeiro concretista é dos melhores, como o duelo com Agonia, que é genial. Té mais.