fracassos

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quarta-feira, 4 de março de 2009

TRABALHADOR CLANDESTINO NOS E.U.A. FRACASSADO

Terminei a faculdade de Letras em 1997, Português e Inglês, a muito custo, trabalhando de metalúrgico numa fábrica de tambores plásticos em Barra do Piraí ( cidade onde ainda moro). Trampando com dor nas costas ( trabalho braçal: ver OPERÁRIO FRACASSADO) durante o dia e estudando a noite. Fui mandado embora e arrumei um trampo numa empreiteira da C.S.N em Volta Redonda ( cidade vizinha a minha). A hérnia atacou novamente. Fui mandado pra rua de novo. Fiz o concurso para professor do Estado e passei. Dava aulas em quase todas as escolas da periferia da minha cidade. Tinha alunos que iam na escola só pra fazer movimento de drogas e ficar zoando a aula. Desrespeitavam, mandavam-me tomar no cu, tacavam bolinha de papel com cuspe na minha cara ( ver PROFESSOR FRACASSADO). Ganhava uma mixaria que não dava nem pra pagar o aluguel direito. Com a Milena dizendo que tava grávida foi que a situação ficou pior ainda. Quase fui em cana duas vezes porque a pensão atrasou. Comecei dar aulas particulares de Inglês. Mesmo assim vivia na pindaíba, morando numa quitinete lá no Atrás do Saco ( quem mora em Barra do Piraí sabe onde é).

Depois que eu separei da Milena, era ligação quase toda semana pra encher o saco: remédio pro Carlinho, roupa, dinheiro pra passeio, pra material escolar. Um inferno.

Quando o Ranieri, um camarada meu, ligou dizendo que tava partindo pros States eu tive novas esperanças. Trampar no exterior, fosse no que fosse, iria ser muito mais vantajoso. Assim que o ele ligou de Branford, dois meses depois, dizendo que tava ganhando mais de dois mil dólares por mês eu tomei a iniciativa. Tirei passaporte. Falsifiquei até contracheque e carteira profissional. Arrisquei. Podia ir até preso por isso, mas tinha que arriscar. Na entrevista do consulado disse pro vice-consul que era professor do Pedro II ( colégio de elite do Rio), em inglês mesmo pra tirar onda, e que iria pro Estado de Connecticut à passeio.

Consegui a tão almejada autorização.Vendi a Variant 68, a minha coleção completa de gibis do Tex e toda a minha discografia de psichobillys raros. Pedi uma grana emprestada pra minha mãe e pro meu irmão.

States, lá vou eu! Gritava enquanto fazia as malas. Não avisei nada pra Milena. Fiquei na surdina. É claro que ela iria botar areia.

Viajei.

O primeiro trampo que o Ranieri me conseguiu foi de garçom num restaurante, em Branford mesmo. Trabalhador clandestino,é claro. O gerente, um texano escroto, todo dia me discriminando, chamava de macaco, de brasileiro sujo, de chicano ( em inglês é claro, porra!). Fiquei de saco cheio das humilhações e pedi conta. Serviço não era difícil de achar, mas só sub-emprego. Sujeitei-me a condições de trabalho humilhantes e degradantes. Limpador de fossa, carregador de caixas, lavei bunda branca de velhos num asilo em Danbury. Na cidade de Hartford trampava de dia numa espécie de IML limpando defunto e à noite numa delegacia fazendo faxina nas celas dos presos. Trampo asqueroso. Rodei quase todo o estado pegando tudo quanto era tipo de serviço e fugindo da Imigração. Passei um ano nesse sufoco. A grana era boa mas os gastos eram altos também. Não consegui fazer nem um pé-de-meia furado ( ver LOSER FRACASSADO – loser fracassado? não é contraditório não, leia que você vai entender).

Comecei a ficar desesperado. A situação tava pior que no Brasil. Pensei em desistir.

Até que, certo dia, eu tava num ônibus indo de Bristol para Branford, lendo o livro Lucia McCartney do Rubem Fonseca, quando, não tendo nada pra fazer na viagem, peguei o conto Zoom e traduzi do português para o inglês. Eu era bom nisso ( não sou mais. Ver TRADUTOR FRACASSADO)

Chegando em Branford tive uma idéia talvez me tirasse da lama: fui na cara-de-pau na redação do Westport News, apresentei-me para o chefe de redação, o George, como jornalista autodidata. Inventei uma mentira de que era brasileiro fazendo uma pesquisa sobre o jornalismo gonzo norte-americano e apresentei o conto do Rubem Fonseca traduzido como se fosse meu, perguntando se os interessaria publicá-lo. O redator leu e adorou-o. Ficou com o texto. Adiantou seiscentos dólares na mão. Seiscentos dólares! Eu precisaria de lavar muita bunda de velho pra conseguir essa grana. Moleza! Fiquei entusiasmadão com a idéia. Liguei para o redator e disse que tinha outros contos e crônicas para enviar. O redator, além de concordar em publicar, deu o endereço de outros jornais para que eu oferecesse meu “excelente trabalho” ( falou isso em inglês, é claro, porra!).

Peguei todos os livros de contos e crônicas de escritores brasileiros que tinha levado pros States e comecei a traduzi-los manhã, tarde e noite. Liguei pra minha mãe e pedi que ela me enviasse, aos poucos, pelo correio, mais alguns livros. Verti para o inglês mais de duzentas crônicas e cento e trinta contos em menos de um mês.

Conversando com um amigo jornalista americano, o Gary, que havia lido todos os “meus” textos, ele me dissera que havia ficado impressionado com a minha “versatilidade de estilos e vozes completamente díspares” ( falou isso em inglês, é claro, porra!). Propôs publicação em livro e me botou em algumas fitas para contato. Eu tava durinho da silva, vivendo de favor na casa do Ranieri. Só traduzindo e traduzindo.

Gary disse que queria ser meu agente literário. Topei. Ficamos fazendo contatos. Rodamos todas as cidades do estado: Bridgeport, Woodbury, New Haven ( onde tem a melhor casa de blues que eu já vi) , Fairfield, Meriden, Middletown, Norwalk, Manchester ( com milhares de cheerleaders maravilhosas ensaiando, espalhadas em grupos pelas esquinas), Southington, Waterbury, Bristol, Danbury, Newtown, Darien, Greenwich, Hartford, Guilford, Middletown, Willimantic, Stamford e em Norwich. Tudo financiado pelo brother ( falo em português, é claro, porra!) Gary, que estava me emprestando essa grana acreditando no meu futuro e talentoso sucesso.

Depois de fazer vários contatos, voltei pra casa e fiquei só traduzindo e traduzindo. Juntando mercadoria para vender pros tais jornais. Organizei de forma que fosse mandar um conto para cada redação de jornal. Manter a periodicidade de um autor por periódico: Carlos Drummond de Andrade para o The Norwalk Citizen-News, Nelson Rodrigues para o The Darien News-Review, Rubem Alves para o Westport News, Rubem Fonseca para o The Connecticut College Voice, Carlos Heitor Cony para o Connecticut Post, Luis Fernando Verissimo para o Hartford Courant, Marcos Rey para o Meriden Record Journal, Clarice Lispector para o Amity Observer, Otto Lara Resende para o The News-Times, Sérgio Sant’Anna para o The Fairfield Citizen-News, Murilo Rubião para o Greenwich Time, Moacyr Scliar para o Guilford Courier, José J. Veiga para o The Wesleyan Argus, Millôr Fernandes para o The New Haven Register, Luiz Vilela para o The Yale Herald, Machado de Assis para o Yale Daily News, Lygia Fagundes Telles para o New London Day, Mário Prata para o Newtown Bee, e Fernando Sabino, que eu achava mais fácil de traduzir para os jornais Norwich Bulletin, Waterbury Republican-American e The Chronicle.

Tudo como se fosse de minha própria autoria, é claro.

Um mês depois,Gary foi lá em casa ( a do Ranieri, é claro, porra!) e pediu-me os textos para que fosse fazer as postagens.

Gary saiu lá de casa com os textos na mão para começar a postá-los. Os correios ( lá não chama-se “correios”, chama-se FedEx ,porra!) estavam fechados.

Greve.

Por dois dias.

Gary voltou lá pra casa e me disse que iria postar em três dias, sem falta.

Rico. Eu gritava: “Rico! Vou ficar rico e famoso!” ( isso eu gritava em português mesmo, é claro, porra!).

Gary me abraçava e gritava também ( quer saber se o Gary gritava que ia ficar rico em português ou inglês? Vai tomar no cu, porra!).

Isso foi no dia 10 de setembro de dois mil e um.

Ps> Não preciso explicar mais nada, né? Além da merda toda que botou areia, devido ao meu fenótipo totalmente árabe, fui deportado em menos de um mês ( nesse entremeio quase morri na mão de yankees xenófobos paranóicos).

Porra, acho que o Bin Laden fez essa porra toda só pra me fuder.

Aê Bin! Se você estiver lendo essa porra agora, se liga na missão: Fuck you!

( em bom português, é claro, porra!)

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