Seguindo meus fracassados instintos para escritor, e partindo de 99% de inspiração e 1% de transpiração, meti o cacete em dez sonetos numa porrada só, esquecendo ( e omitindo incompetentemente) que, para confeccioná-los, necessitaria, obviamente, de uma minunciosa precisão métrica, rímica, rítmica, aritmética e acuidade temática. Tal qual um médium gaspareto incorporando Petrarca, Camões ou outro sonetista clássico entusiasmei-me com a parada e os fiz em apenas uma canetada. Empolgadão, mandei-os pra apreciação de um conhecido que entende do riscado. Ele disse na lata: “Não ficaram ruins, só precisam de ajuste na forma e no conteúdo”.
Caralho! Faltou tudo!
Desisti.
Seguem os tais dez. Nunca mais mexo com essa porra!
1 - SONETO CACOFÔNICO
Curvado dentro do confessionário
o jovem rapazinho cochichava
o padre surdo e octagenário
com esforço muito pouco escutava:
Não sei seu Padre o que é que mais eu faço
a minha mina disse “Vou-me já!”
eu nem pus o meu tênis no cadarço
pra cá eu vim medido por radar
Seu Padre eu só disse para ela:
"Eu sempre vi bem que tabu cê tinha,
Pois a verdade é que se ocupa nela!
"Ninguém me herda o amor que ela tinha
Confesso: eu comunguei bem antes dela”
E o velho padre pensa: “Safadinha!”
2 - SONETO AFRO-MITOLÓGICO
A grega Têmis? Deusa da Justiça!
Já o Tranca-rua muito advogava
Terpísicore em Atenas dançava
O Zé Pelintra quando samba atiça.
A Afrodite Deusa da beleza
Tão linda quanto a Pomba-gira é
Os dois mais fortes que ficam em pé
Exu e Zeus dividem a realeza
O brasileiro no atabaque e canto.
Pra invocação já o grego usava a lira
O “daimon” lá é nosso “baixo santo”
Na antiga Grécia como já se vira
É idêntica no mito e no encanto:
Brasil não põe-se nada e nem tira
3 - SONETO RECLAMÃO
Eu fazer um soneto? Mas que b...
Não enche! Tô vendo um DVD
O tal petrarquiano? É démodè!
Conjugo mal o verbo concebê!
A rima, o velho esquema que se dê:
Quarteto ABBA BAAB
Jamais rimar Arena e MDB
Nos tercetos CDC DCD
Tem que ser o decassílado “heróico”
Que dê pra fazer boa escanção
Caramba! Isso me deixa paranóico!
E o tal do enjambement, então!?
Podem considerar-me um estóico,
Não vou fazer o tal soneto não!
4 - SONETO DESAFIADOR
Pois imagine só uma porrada
Botando a giripoca pra piar
Malandro carioca dá uma escarrada
Num nordestino na porta do bar
O nordestino muito arretado
Lhe diz: “Óxente vou lhe abrir o bucho!”
O Carioca: “Qual é mane! Safado”
Tu é cabeça chata e pequerrucho.
Enraivecido o nordestino disse:
“Sou macho e sei que tu é que é um coxo
não me acorvardo siminino. Vice?”
Guardaram a navalha e a peixeira
Caíram numa grande gargalhada
Pois não passa de uma brincadeira
5 - SONETO CONSTRANGEDOR
Peidar no elevador é uma vergonha.
Meleca no nariz ao paquerar.
A mãe flagrar o filho numa bronha.
Trocar o nome quando vai transar.
Seu chefe dar-lhe o maior esporro
Pedir pra sogra ser sua fiadora
Gritar ao afogar-se “Aaai! Socooorro!”
Na cama ver que é Paulo a “Eleonora”
No ranking de todo constrangimento
Há um que fica em primeiro lugar
Se te aconteceu, eu só lamento
Essa humilhação é de arrasar
Maltrata, fere muito o sentimento
Não há pior do que o homem broxar!
6 - SONETO SANGUE BOM
O funk carioca é a voz do morro
Cantado aos quatro cantos da favela
Madames gritam “...aimeudeus socorro!”
Às vezes faz sucesso na novela.
Têm os que se aproveitam dessa parte
Como auto-promoção: são os caetanos
Mas os que legitimam como arte
São sérios e estudam como (her) manos
Libidinosidade é a acusação!
Letra vulgar não é exclusividade
Pois isso sempre houve na canção
A importância social do funk
Não há de ser negada no futuro
Pruma cultura muito mais estanque
7 - SONETO PREGUIÇOSO
Macunaíma disse “Aí que preguiça!”
Confesso: também sou bem ocioso
E trabalhar me deixa furioso
Pois muito esforço a gente até enguiça
Todos me chamam de “Ô preguiçoso”
Sou especialista em encher lingüiça
Quando vejo uma rede grito “Issaaa!”
E tiro um cochilo bem gostoso
Eu instituiria feriado
Segunda, terça, quarta, quinta-feira
Fim de semana eu tava descansado
Agora eu vou pra espreguiçadeira
Sabe por que eu to assim cansado?
Fazer esse soneto deu lombeira...
8 - SONETO BROXANTE
Pitecantropus já nasceu ereto
Cabeça erguida era o Neandertal
Depois veio o que era apenas reto
Na história foi-se abaixando o pau
A evolução da espécie dependia
Pra nossa humana
tempo ia e a peia mais caia
A fêmea sempre na insatisfação
Desculpas pro fracasso do “amigo”
Na frase que espalhou-se feito praga
“Desculpe nunca aconteceu comigo”
Agora um milagre se consagra
Mas não de uma hóstia feita de trigo
E sim com o advento do Viagra
9 - SONETO IMPUNE
Sabia que existe um lugar
Considerado terra de ninguém?
O que eu vi lá não dá pra acreditar
Nem imaginação vai mais além
Lá todo mundo escamoteia e mente
Anônimo é o nome mais usado
Pedófilo transita impunemente
Um criminoso nunca é condenado
Nazismo – é incrível – lá ainda existe!
Estelionatário pinta o sete
Filme de adulto até criança assiste!
Você ta duvidando dessa esquete?
Não to de brincadeira. Não é chiste.
O nome do lugar é Internet.
10 - SONETO MISANTROPÓFAGO
( Para o Glauco Mattoso)
O cruzamento de um Prometeu
Com um Baco bicha e glaucomattoso:
Iniciando um ciclo vicioso
Cagou seu podre fígado e comeu
Mordendo o próprio pau numa dentada
Curvado, mesmo com escoliose
Se engasgou, pigarreou fimose
Cada gomo engoliu sem deixar nada
Regurgitando tudo o que engole
Num auto-enema que sofreu à míngua
Vomita um verso fedorento e mole
O esfomeado cego misantropo
Sentindo um forte cheiro de chulé
Olha pro pé e pensa: “ Ma non troppo!”
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
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