ESTUDO LINGUÍSTICO: VARIAÇÕES DIATÓPICAS ACERCA DA LEXIA “PACA” ENCONTRADA NOS PONTOS DE PROSTITUIÇÃO DA PRAÇA DA BANDEIRA E DA BARRA DA TIJUCA, NO RIO DE JANEIRO.
O ambiente de prostituição, com todas as suas peculiaridades linguísticas e características sociais, mostrou-se deveras profícuo para o início de tais investigações. Ainda que, de antemão, percebesse-se dificuldade para tratar o tema.Dino Preti, no livro “ A Linguagem proibida” considera que[...] o estudo da linguagem erótica, como não poderia deixar de ser situa-se no campo dos tabus lingüísticos morais e abrange áreas sobre as quais , quase sempre por motivos óbvios, se te preferido calar , como por exemplo, a dos vocábulos obscenos, a dos “palavrões” e blasfêmias, a da gíria, a do discurso malicioso. Reunimos todas elas sob o nome de “LINGUAGEM PROIBIDA” , porque quase todas se apresentam como formas lingüísticas estigmatizadas e de baixo prestígio, condenada pelos padrões culturais, o que as transformou, com poucas exceções, em tabus lingüísticos [...]
Procurada uma bibliografia sobre o tema, qual foi a surpresa, ao observar que, nas áreas das ciências humanas, não foram encontradas pesquisas específicas no âmbito de estudos da linguagem direcionadas aos frequentadores desses ambientes.Além dos estudos que se têm feito nas áreas de antropologia, sociologia, história e psicologia, faz-se necessárias as investigações nestes ambientes pelos estudos da linguagem. Este é um tema que poderia ser considerado como irrelevante, diante da variedade de desafios e objetos de estudos mais “nobres” que a ciência da linguagem pode-se debruçar, mas esta pesquisa, pelo contrário, busca demonstrar que os pontos de prostituição ( e as conversas advindas deste) desempenham importante papel na vida de ponderável parcela do que se costuma chamar “a massa”.Neste pequeno trabalho, o objetivo inicial é o de caracterizar o linguajar dos frequentadores dos pontos de prostituição do Centro e da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, assim como chamar a atenção dos estudiosos da língua popular do ponto de vista lingüístico-dialetológico.
Com a introdução dos estudos lingüísticos no Brasil, a gíria passou a ser analisada, no país a partir da década de 70, em uma perspectiva descritiva e não normativamente como faziam os poucos gramáticos que se dispunham a tratá-la. Quem mais se destaca, nesse estudo, é o professor Dino Preti que, com sua equipe de estudo, contribuiu sobremaneira para quebrar a aura pejorativa que cercava o vocabulário gírio, até há poucos anos.Dino Preti [1] em entrevista, sobre o vocabulário gírio, afirma queAcho que em linguagem não há essa história de “benéfica” ou “maléfica”. Há variantes lexicais. Há variantes de maior prestígio e de menor prestígio. A gíria, de maneira geral na sociedade, é uma variante de baixo prestígio porque está ligada à linguagem dos jovens, do povo às vezes sem cultura; ou no caso da gíria de grupo, que é a mais interessante, está ligada às atividades marginais, às prisões, aos drogados, etc. Depois que a gíria sai desses âmbitos privados e se espalha, torna-se uma linguagem comum, que todo mundo usa. Existe, porém, esse estigma que se prolonga não sei por que; na verdade, a gíria em determinadas ocasiões é até a melhor linguagem. Depende do contexto e da situação. Torna-se inconveniente só quando usada indevidamente, em situações e locais onde não seja esperada e não haja expectativa para ela. Quase que em todas os registros feitos, os diálogos dos pontos de prostituição estavam permeados por vocabulário gírio, visto que este confirmara um processo de afirmação de uma linguagem malandra e anti-escorreita.
“ (...)Pó maluco, num vai fêchá a porta do banhêro não? Tá fedeno... [ depois de fechada] Demorô (...)” [ (R 3.4 \ G 080 ) em 22 de setembro 2007, às 21:00h ) ]
“(...) Já é cupadi ! Nem precisa insistir, a parada vai tá na fita amanhã! (...)” [ (R 3.3 \ G 078 ) em 10 de janeiro 2008, às 21:00h)
Entendendo a gíria como um termo genérico usado para designar o fenômeno sociolingüístico no qual grupos sociais formam um vocábulo próprio, percebemos, no que tange ao vocabulário gírio proferido nos ambientes pesquisados, o fenômeno da variação diatópica, ou seja, falantes de regiões diferentes que atribuem ao mesmo objeto nomes díspares. As variantes diatópicas caracterizam as diversas normas regionais existentes dentro de um mesmo país e até dentro de um mesmo estado ou cidade, como o falar gaúcho, o falar mineiro, etc. Por exemplo, “cair um tombo”, no Rio Grande do Sul; “levar um tombo”, no Rio de Janeiro.Um dos vocabulários gírios que, com a mesma pronúncia, teve acepções diferentes nas regiões pesquisadas pesquisadas foi o termo “paca”, entendido, no vocabulário machista e homofóbico das regiões da seguinte maneira:No conhecido prostíbulo conhecido como Vila Mimosa localizado na Rua Sotero dos Reis, pertinho da Praça da Bandeira (Zona Norte do Rio de Janeiro.] , “paca” refere-se, pejorativamente, à mulher de vida fácil ou prostituta
“(...) Ontem vim aqui na Vila Mimosa e peguei uma paca responsa (...)” (R 3.1 \ G 062 ) em 08 de abril de 2007, às 23:45h
“(...) Era uma paca gostosa demais rapá! Valeu cada centavo da grana que investi(...)” (R 3.1 \ G 156 ) em 19 de dezembro de 2007, às 22:00h
Em uma dessas ocasiões, na Vila Mimosa, o pesquisador participando de uma conversa, em uma roda de frequentadores, percebe que um deles, que acabara de vir do banheiro, ao retornar à roda de amigos, grita demostrando ar de alívio:
“(...) Putaquepariu rapaziada! Mijar quando a gente tá apertado é a melhor coisa do mundo !(...)” ((R 3.5 \ G 175 ) em 20 de maio de 2008, às 23:00h ) ]
Ao que outro , do meio do círculo de amigos, respondeu-lhe:
“(...) Das duas uma: Ou sou eu que não sei mijar ou você que não sabe fuder com uma paca! (...)” [ ((R 3.5 \ G 175 ) em 20 de maio de 2008, às 23:00h ) ]
Já na Barra da Tijuca, nas imediações de prostituição noturna, perto do Motel Papillon, o mesmo termo refere-se, pejorativamente, ao travesti, ou transexual:“(...) Cê soube que tem umas paca daqui que foram pra Itália? Tão ganhando a maior grana (...)” (R 2.1 \ G 141 ) em 28 de dezembro de 2007, às 21:00h “(...) Foi a Kelly de Vison uma vez na Praça do Ó que tentou enganá uns mané que não sabia que ela era paca. Os cara meteram a porrada nela(...)” (R 2.1 \ G 042 ) em 15 de novembro de 2007, às 21:00h “(...) Aê Dirlei! Sabia que o irmão do [ nome de outro frequentador do ambiente] virou maior paca?(...)” (R 2.1 \ G 135 ) em 24 de junho de 2007, às 20:00h ConclusãoEspera-se contribuir com este trabalho para o desenvolvimento dos estudos do estudo da linguagem popular brasileira e da dialetologia ( como subgrupo a socioletologia), já que o que se tem feito nesses dois setores dos estudos folclóricos e lingüísticos está muito aquém das necessidades percebidas por todos quantos labutam com o assunto.Exatamente por isso, quando se pretende fazer um trabalho de pesquisa sobre este ou aquele falar ou sobre este ou aquele aspecto da linguagem popular, sente-se logo a falta de um trabalho cientificamente desenvolvido por pessoa que possa figurar entre as autoridades no assunto, para que se possa ter um modelo de estudo atualizado com os avanços da lingüística.Sem a pretensão de sanar este problema, fica aqui um apelo aos especialistas para que esse trabalho seja feito o mais brevemente possível.Tratando-se ainda do vocabulário, é bom frisar que ali ficou registrado não só o catálogo das palavras, mas também das frases-feitas dos freqüentadores.Se ficar evidente, pelo menos, que este linguajar deve ser estudado melhor pelos especialistas, já terá sido alcançado o principal objetivo perseguido.Acerta de tais verificações, pode-se afirmar que deve-se ficar atento ao local da acepção de tal lexia e ao que ela remete, para que, ao dirigir-se aos interlocutores de tais locais , saiba-se se está referindo à travesti ou a prostituta.BIBLIOGRAFIAORLANDI, Eni Pulcinelli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 2.ed. Campinas: Pontes, 1987. PRETI, Dino. A sociolingüística e o fenômeno da diversidade na língua de um grupo social. Dialetos sociais e níveis da fala ou registros.in Sociolingüística: os níveis da fala. São Paulo: Nacional, 1982, p. 1-41.___________A gíria: um signo de agressão e defesa na sociedade In. A gíria e outros temas. São Paulo: T. A. Queiroz: Universidade de São Paulo, 1984, p. 1-9.__________ O vocabulário técnico, a gíria e a linguagem obscena: perspectivas sociolingüísticas de seu estudo. In. gíria e outros temas. São Paulo: T. A. Queiroz: USP, 1984, p.11-37.__________ A linguagem proibida: um estudo sobre a linguagem erótica. São Paulo: USP, 1984.__________ A gíria na cidade grande. Revista da Biblioteca Mário de Andrade – São Paulo: Signos e Personagens. São Paulo, 1996.__________ Gíria e agressividade. In KOCH, I. e BARROS, K. de (orgs). Tópicos em lingüística de texto e análise da conversação. Natal: UFRN, 1997.___________ A gíria na sociedade contemporânea. In VALENTE, A. (org.). Língua, lingüística e literatura. Rio de Janeiro: UERJ, 1998, p.119-128.__________ Gíria: um capítulo da história social da linguagem. In BARROS, K. de. (org.). Produção textual – interação, processamento, variação. Natal: EDUFRN, 1999.RUBIO, Florêncio Cássio. Estudo: por uma definição da variante estigmatizada na concordância verbal : a atuação da variável gênero/sexo. / Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – Universidade Estadual Paulista – São José do Rio Preto – SP – Brasil. 2001.SILVA, G. M. de O. e VOTRE, S. J. Estudos Sociolingüísticos no Rio de Janeiro. D.E.L.T.A., 1991. 7.(1): 357-76.TISDALE, S. Sussurre Coisas Eróticas para Mim. Rio de Janeiro: Objetiva. 1995, p.12. [1] - Entrevista concedida em 15 de março de 2005, Entrevista com o professor Dino Preti “UM PESQUISADOR PIONEIRO, PREMIADO E...COISA INÉDITA NOS MEIOS ACADÊMICOS...MUITO HUMILDE” na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. por Renira Cirelli Appa. / . Acesso dia 02 de janeiro de 2008 em www.letramagna.com/dinoentre.htm
terça-feira, 11 de novembro de 2008
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