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terça-feira, 23 de dezembro de 2008

AMIGO OCULTO FRACASSADO

Treze anos, mas aparentando onze. Franzino, curvado, sentava na última carteira do canto. Ninguém percebia sua presença. Insignificante, era invisível até para os professores. Timidez patológica, quando remotamente ocorria de ser solicitado para ir ao quadro-negro ou ter que responder de pé alguma questão, as pernas tremiam, a garganta salivava, a voz fina, ainda de menino, engasgava. Considerava injustiça cruel da natureza e da genética que, a puberdade e adolescência, dava precocemente pra alguns tônus muscular, barba, voz grossa, cabelo na perna e cara de homem. Enquanto ele meio-menino-meio-moça, liso, voz fina, resignava-se na esperança de em breve abrir repentino em flor de cactus, cara barbuda de xuxu velho, homem enfim. E esse dia não chegava nunca. Trapaceava. Na aula de Educação Física, dentro do short apertado de lycra ele enfiava duas meias enroladas. Olhos curiosos das meninas e da professora pro volume desproporcional. “Caralhudo”, chegou a captar um sussurro da Tatiana para a Patrícia. A única vantagem que via nisso era a de ser “respeitado” pela protuberância da “mala”. Ainda que houvesse a possibilidade de finalmente perder a virgindade, diante da curiosidade das mais assanhadas que vinham descaradamente perguntá-lo da centimetragem do suposto descomunal pênis, ele ponderava e esquivava-se das investidas: preferia a atual situação a ter que, indo pra cama com alguma delas,acabar sendo desmascarado. Ou “desmembrado”, melhor dizendo. E recusava. Agonizando ansioso, aguardava a natureza trazer, enfim, o cabelo no suvaco, a barba, os músculos, que nunca apareciam. Ele, o estranho na turma, refugiava-se sempre lá no cantinho da sala nas revistas de humor que comprava semanalmente. Durante as aulas, enfiava entre o caderno e lia e relia as revistas e jornais que mais gostava: Circo, Chiclete com Banana, Casseta Popular, Planeta Diário, O Pasquim, Heavy Metal, Revista Animal e todos os tipos de quadrinhos. Eram seus únicos amigos. Sua transgressão preferida, se é que isso poderia se chamar assim, era, enquanto ia ao banheiro em horário de aula, minutos antes do intervalo, às escondidas, colar páginas da revista Casseta Popular nas peredes do corredor da escola. Pro deleite e risos de todos na hora do recreio que nunca desconfiaram que era ele. Até que, numa das vezes, arrancou da revista uma foto em close de uma mulher de quatro, cu e buceta arreganhados, com uma maçã equilibrada em cima e uma piada tipo “acerte o alvo” ou coisa assim, e colou perto do banheiro das meninas. A diretora foi de sala em sala tentar descobrir o autor. Dizia ser um pervertido e desequilibrado que precisava urgentemente de tratamento e que ia ser imediatamente expulso. Nunca descobriram que fora ele, mas o autor desconhecido tornara-se uma espécie de herói na escola. Teve que amargar o anonimato. Mas nesse dezembro de 1987, 8ª série, é que ele, enfim, ia ficar conhecido e famoso por todos na escola. Explico. Fim do primeiro ciclo dos ensinos, término da 8ª série. Despedidas de fim-de-ano na escola, formatura e o temível amigo oculto, que ele tinha pavor. Na turma que formou-se junto, apesar de ser de escola pública, era repleta de filhos de figurões da cidade, advogados, médicos, comerciantes. Os alunos eram patricinhas e playboyzinhos com suas coleções de tênis Redley, bermudões da Ciclone e camisas da K&K que ele nunca teria dinheiro pra comprar, se quisesse.

No amigo oculto, ele tirara a Patrícia, a menina por quem ele era apaixonado, que por sua vez era apaixonada pelo troglodita do Odil, ele sabia. O cara, já marmanjo, apesar dos quinze, ostentava um invejável cavanhaque que humilhava os garotos e apaixonava as meninas. Ele, juntando moedas o ano inteiro, comprara um perfume da Cashmere Bouquet pra presentear a amada. Dia da entrega dos presentes. Ele, pernas bambas, garganta seca, esperando a sua vez para na sua voz fina de criança, entregar o carinhoso presente e finalmente se declarar pra Patrícia. Odil, o ogro, o tirara, foi lá na frente e com o único propósito de humilhá-lo, como fazia quase todos os dias desde a quarta série, disse que havia tirado uma menina sensível. Chama-lhe pelo nome e entrega-lhe uma caixinha. Ele abre e pra sua surpresa é um perfume feminino, idêntico ao que ele havia comprado pra presentear a sua amada Patrícia. Odil gritando sarcástico : perfume vagabundo pra uma menininha vagabunda. Deboche geral. Gargalhadas na sala. Ele tonto, humilhado, anuncia a sua amiga oculta. Ela, ao saber, faz cara de decepção, mas pega curiosa o embrulho. Ao abrir constata a coincidência dos perfumes: o que ele recebera de sacanagem do Odil e o que ela recebera dele. A mesma marca, a mesma fragrância. Grita nervosa:

- Perfume vagabundo pra uma menininha vagabunda também? Seu imbecil!

A turma inteira curva-se de rir. Ele mais humilhado ainda pela infeliz coincidência, começa a sentir tonteiras. Percebe que o Odil tenha armado tudo isso, descobrindo de alguma maneira qual era o seu presente para comprar um igual e preparar o ardil. Fica com ódio. Tem uma espécie de vertigem. Cambaleia em direção à primeira cadeira que vê, e na névoa da vista turva de nervoso, ao apoiar-se pra sentar, esbarra com o cotovelo num pacote grande em cima da mesa de presentes ainda não entregues. O pacote cambaleia e ele na ânsia de impedi-lo de cair acaba batendo a unha com força fazendo com que o pacote vá com mais violência em direção ao chão. Estouro. Cheiro forte de álcool ou algo parecido. Patrícia, que reestabelecendo-se do trauma anterior, olha pro chão, cai num grito histérico, tresloucado:

- O Whisky do meu amigo invisível, o Professor Ricardo. Whisky importado, custou uma fortuna, meu pai trouxe de Miami.

E põe-se a gritar com ele aos urros:

- Seu bosta, estabanado, imprestável, fracote, idiota, só pode ter feito de propósito, seu merda. Nem dinheiro pra comprar outra garrafa você tem seu pobre miserável.

Todos na sala, muxoxam em coral, olham com ar de reprovação pra ele, como que concordando com as observações da Patrícia para com o magricela menino-moça estranho.

Até o professor Ricardo, de fininho, sussura no seu ouvido:

-Putaquepariu moleque estabanado filho da puta, mandou meu whisky importado pro caralho, seu bostinha. Vou te reprovar seu filho da puta de uma figa!

O clima na sala é de consternação e silêncio. Ele borra as calças de nervoso, sai da sala com pernas bambas. Logo ao lado da porta da sala de fora está Odil e a sua trupe de trogloditas musculosos. Patrícia aos soluços abraçada na cintura do Odil que a consola. Odil é o primeiro a dar-lhe um murro na cara. Na seqüência dos trogloditas, pontapés, chutes, tapas. A voz fina do menino pedindo socorro.

-Eu pago, porra! Pago outra garrafa! Pelo amor de Deus, parem de me bater!.

Com o barulho, todos os alunos e professores saem da sala. O Odil, tentando dar mostra pra todos da sua masculinidade e supremacia física, segura-lhe com muita força uma das mãos no pescoço, enforcando-lhe no alto, e com a outra mão começa a lhe revistar os bolsos:

- Disse que vai pagar o whisky do professor né moleque? Vai pagar como se você é um pé-rapado? Chovê cê tem alguma mixaria nos seus bolsos. Porra nenhuma! Chovê na cuequinha da franguinha se tem grana escondida!

“Na cueca não!” “Na cueca não!” “Na cueca não!”, ele esperneou e grunhiu desesperado na forca-mão. Preferiria morrer sufocado de uma vez, em vez de ter a sua cueca revistada.

Até que, mão fora da cueca, Odil apalpa algo fofo, estranho. Enfia a mão e num solavanco violento arranca o par de meias simuladoras de pênis que ele punha na cueca desde o começo do ano. Odil o solta e numa estrondosa gargalhada ergue a mão e pra que todos vejam, mostra, tal qual um troféu, o psudo-pênis de pano.

Meninos, meninas, e até professores ressoam uma orquestra de risos estridentes e gargalhadas apontando pra calça arriada dele, pinto de anjo nu, penugem púbere, orgulho ferido ao máximo. Tivesse eu uma metralhadora aqui e agora, tivesse eu uma metralhadora aqui e agora... pensa chorando.

Ele levanta a calça e sai correndo desesperadamente pelos corredores da escola. Toma a rua. Entra no primeiro boteco pé-sujo que encontra e pede uma pinga.

Que toma até hoje, vinte anos depois.

Um comentário:

GILBERTO disse...

MUITO BOM MEU AMIGO!!!