quarta-feira, 17 de junho de 2009
MASCARADO FRACASSADO
[ minha auto-máscara de mim mesmo]
Dezembro de 1992. Formatura do 2º grau ( hoje chamam de Ensino Médio). Como minha turma decidiu não fazer baile, convocaram todos para um festa a fantasia de uma faculdade de medicina da região, para aproveitar a ocasião. Nem seria necessário dizer que odeio festas, ainda mais dessas a fantasia. Eu não seria obrigado a ir, é lógico, mas nem sempre a lógica prevalece. Não iria e ponto final.
Até que o inesperado aconteceu: Samira, a gata mais linda da turma me aborda no meio da rua com sua doce voz diz:
- Cê vai no baile, não vai? Vai ter um prêmio de dois mil reais pra fantasia mais engraçada. Você, como é um cara criativo pra caramba, com certeza vai bolar uma fantasia maneirérrima e vai abocanhar essa! Uma fantasia engraçada e original. Te espero lá! Já tô na espectativa do que que ce vai aprontar. Tchauzinho. Te vejo lá!
“Tá me dando mole!”, pensei.
“Porra, e dois paus é uma grana do cacete!”
Até aí, tudo bem. O problema é que eu tava , como de costume, durinho da silva. Mais duro do que pau de galinheiro. Pau de galinheiro é sujo, né? Ahh, vale... Eu tava sujo também. Morando sozinho, sem grana nem pra pagar a lavadeira, meu trapos velhos fediam a mijo e suor. Como eu ia arrumar grana pra mandar confeccionar uma porra de uma fantasia? E o pior: uma fantasia “engraçada” deve custar mais caro ainda. Mas eu tinha que ir nessa merda. A gata ia estar lá me esperando. Ia valer a pena. E aturar aquela cambada de babacas fantasiados, se achando o máximo nas suas “fantasias engraçadíssimas”, só com muita birita no quengo. Nem pra isso eu tinha. Só uma garrafa de conhaque Presidente na prateleira de casa e a grana da entrada ( que valiam um mês do meu diário miojo, segundo as minhas contas). Porra, fui numa casa dessas que alugam fantasias para festas desse tipo e era uma baba pra alugar uma merda daquelas. Só merda manjada: Homem-aranha, Batman, Simpsom, Zorro e o ridículo do Chaves ( que tava até bem mais baratinho o aluguel). Quem ia ser o babaca que ia alugar uma porra daquela? Eu vestido de Chaves? Nem que me pagassem eu entraria numa merda de fantasia daquela. Nenhuma buceta ou grana valeria isso.
Mas eu tinha que ir. Tinha que ir fantasiado, agradar a mina e de quebra levar a grana. “Sou criativo”, pensei concordando com a gatinha.
No dia do esperado baile, à tarde, sentado na furada poltrona de casa e confabulando comigo mesmo, abri a minha carteira pra conferir quanto eu tinha de grana. Tinha importância exata da entrada, e uns centavos a mais e, até então, nenhuma porra de uma fantasia “engraçada e original”. Antes de fechar a carteira fiquei olhando pra minha identidade. Olhei pra foto da identidade. Lembrei rindo da “identidade secreta” do Super-homem que de secreta não tinha nada. lembrei de que quando eu era criança eu não entendia porque nos fimes do Super-homem ninguém suspeitava de que o Clark Kent era o Super-homem. Porra! Um era a cara do outro! Será que todo mundo de Metrópolis era retardado, ou sofria de catarata? Comecei a rir sozinho olhando pra minha identidade. Minha identidade secreta...
Eureka!
Minha fantasia! Original, barata e engraçada pra caralho! Descobri!
Corri pro centro da cidade, entrei na primeira xerox que vi e com os centavos que tinha mandei ampliar minha foto três por quatro da identidade até que ficasse do tamanho do meu rosto. Corri de volta pra casa eufórico.
Recortei a foto apliada do meu rosto, peguei um elástico fino que eu tinha e amarrei nas orelhas da máscara, fazendo dois furos nos olhos.
Já eram dez e vinte da noite. A festa estava marcada pras onze. Eu gastaria meia hora a pé, dava tempo. Abri o conhaque, tomei às talagadas.
Acabei com a garrafa toda em dez minutos.
Tava aqui a minha fantasia foda! Eu ia me fantasiar de mim mesmo! Coloco uma roupa minha, coloco a máscara e eu tava fantasiado de mim mesmo. Genial! Comecei a rir. Rir pra caralho, sozinho olhando no espelho pra mascara com a foto tamanho natural do meu rosto, me achando engraçado, criativo, original. Eu era foda!
Bêbado pra caralho, cambaleando e tomando cuidado pra não rasgar a máscara, cheguei na portaria da festa.
Batmans, Robins, Homens-aranha, uma porrada de Bart Simpsons, de personagens de desenhos animados, todos entrando. Eu, bebaço, olhando praquela merda toda tinha certeza de que ia faturar. A minha era a mais original, criativa, engraçada.Eu ia faturar essa.... Até que o cara da portaria:
- Não pode entrar!
- Como assim não pode entrar? – bradei a plenos pulmões cheios de fumaça de cigarro e de estômago cheio de conhaque.
- Só pode entrar fantasiado!
- Porra! Caralho! – abaixei a máscara – Aqui ó! Fantasia do caralho! eu fantasiado de eu mesmo! Muito foda! Olha só: minha calça, minha camisa, meu tênis, minha cueca, minha meia. Eu mesmo que tive a idéia. Ninguém teve! Foda a fantasia!
- Só pode entrar fantasiado!
- Qual é mermão? Não tá acreditando que eu não sou eu mesmo? Daqui, daqui uma olhada na minha identidade, olha só. Só eu! A fantasia!
- Só pode entrar fantasiado!
- Porra seu crioulo de merda analfabeto! Não tá vendo que a porra da minha fantasia é do caralho? A fantasia mais engraçada do mundo? Seu num tá entendendo, porra? Energúmeno!
Tomei um murro que pegou certeiro no nariz da máscara ( e no meu, é lógico!). Cai de quatro, nariz pingando sangue, tonteira e vertigem da mistura do excesso de conhaque com o murro, comecei a vomitar. Olhei pro chão e vi a máscara rasgada e suja de sangue e vômito. Nariz pingando sangue e chorando como uma criança fui apoiando nas paredes da rua pra casa.
No dia seguinte eu soube que o Odil, o babaca da turma, tinha ganhado o prêmio de fantasia mais original e engraçada. E tinha ficado com a Samira. Foi fantasiado de Chaves.
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Um comentário:
Porra, eu fui a esta festa fantasiado de Charles Manson, só porque ouvi dizer que ele era um cara famoso dos States, mas eu nunca tinha ouvido falar. Chegando lá, brincaram comigo e com uma menina que estava de Marilyn Monroe, dizendo que se nós tivessemos um filho, ele seria rockeiro. Não entendi nada. Mas pior foi um PM bêbado fantasiado de Roman Polanski, que me enfiou a porrada na hora que a banda da festa tocou uma música dos Beatles. Vai entender...
http://dorockaochoro.blogspot.com
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