Virada do ano de 1999 para 2000. Congestionamento monstro pra chegar em Copacabana. Gente se empurrando a pé no túnel engarrafado. 2 milhões de pessoas. 2 milhões de pessoas?! Gente pra caralho! Prum misantropo semi-hermitão isso é a imagem do inferno. E eu estava lá. O inferno são os outros ( 1.999.999). Calor, muvuca, barulho. Só com muita cerveja (quente pra cacete, por sinal!) pra tentar aturar essa merda. Inferno. No máximo uns cem banheiros químicos para atender essas 2 milhões de pessoas. Mijar na areia atrai instantanemante dezenas de viados manja-rola reguladores de manjuba. Trava o mijo na hora. Bixiga doendo. Dor de cabeça. Perna cansada.
“Mil passou, dois mil não passarás”.
Já pensou? Um mega-tsunami afogando aquela multidão ultra-feliz com uma felicidade forçadamente irritante. Uma catástrofe que, isso sim, me deixaria feliz.
"Ai de ti Copacabana! "
Um saco essa gente. “Um ano de dificuldades ano passou e o que virá será cheio de esperanças e oportunidades!”- eu ouvia. Putaquepariu! Se o reveillon fosse, por exemplo, no dia 17 de abril, dia 18 eu ficaria mais rico e cheio de oportunidades?
Obrigação de ser feliz, abraçar desconhecidos, beber cidra vagabunda, pular no mar. Bêbado pra caralho, pulei. Areia na cueca, água salgada ardendo mais na assadura das dobras das pernas do gordo mau humorado. “Quê que eu tô fazendo aqui??”. Atenção máxima no alto, pras fagulhas de bombas que falham dos idiotas soltando rojões e fogos o tempo inteiro. Tocha na cabeça da gente, queimadura de terceiro grau. Tem que ficar esperto. Tentativa de atenção redobrada quebrada pelo excesso de conhaque ( o dinheiro pra cerveja tava acabando). Caganeira decorrente do bolinho de camarão estragado comido às pressas numa barraquinha em frente ao Meridien.
2 milhões de pessoas é gente pra caralho! Pensei nisso e fiquei bolado: Porra, nas estatísticas sempre tem aquelas conclusões:
-a cada 10 mil pessoas, uma nasce com síndrome de down;
-a cada 2.000 mil nascimentos, um é de gêmeos univitelinos;
-a cada 500 mil nascimentos há, pelo menos, uma criança xipófaga;
-uma em cada 200 pessoas já traiu ou foi traído pelo(a) parceiro(a);
-um em cada 200 pessoas pode ser psicopata em potencial;
Pirei!
Porra, ali então, em Copacabana, no meio daquelas 2 MILHÕES DE PESSOAS havia, com certeza,segundo as estatísticas: 200 mongolóides, 200 pares de gêmeos; 4 xipófagos, 100.000 cornos e, consequentemente,100.000 adúlteras ( e cem mil ricardões, é claro!) e – sinistro – 10.000 psicopatas!
Bebi mais conhaque.
Assim, as 1.789.936 pessoas restantes dividem-se em bêbados chatos, viados incorporando pomba-gira, incovenientes jogando Cidra Cereser no meio da nossa cara, viados manja-vara esperando a rapaziada mijar na areia, trombadinhas roubando carteira, putas fedorentas, assaltantes à mão armada, jiu-jiteiros com pitbul sem focinheira, patricinhas em grupos, madames com poodles que são tratados com nome de gente, clubbers, metaleiros vomitando no nosso pé, skin heads putaços da silva, criança chata chorando, morrinha enjoadiça de sovaco de crioulo pagodeiro e, principalmente, as mais irritantes: pessoas que exigem que você esteja extremamente feliz. Tem que estar feliz! É obrigatório estar feliz!
Mas, peraí: 210.062 + 1.789.936 somam 1.999.998 pessoas. E as duas que restam? Aí é que tá a parada realmente sinistra da coisa. Pensei, convicto e estupefato que, diante de todas essas estatísticas, deve haver alguma que comprove que a cada dois milhões de pessoas, duas serão parecidíssimas e idênticas.
Me deu terror. Passei horrorizado a olhar no meio da multidão procurando meu outro eu. Um cara com a cara igual a minha. Vou matá-lo, pensei. Vou estrangular esse filho da puta que se parece comigo. Pior se ele também estiver atrás de mim com a mesma intenção! Um jogo de gato e rato. Caco de garrafa de champanhe na mão, comecei a correr desesperadamente pela multidão - extrema euforicamente feliz - a fim de encontrá-lo antes que ele me encontrasse.
...10... Putamerda, vou matar esse desgraçado! ...9... Cadê o desgraçado? ...8... Pegar na trairagem, caco de vidro na garganta do eu ...7... Uma estatística a menos ...6... Cadê o desgraçado?...5... Porra, tô bebaço, tenho que ficar esperto, porque o cara é esperto como eu e pode ser que ele não tenha bebido nada...4...Cadê o desgraçado? ...3... outro gole no conhaque ...2...Daqui de cima desse andaime deve dar pra ver melhor. ...1... Cadê o desgraçado?
FELIZ 2000!
Parei, e, de cima do andaime, olhando no mar da multidão, vi, impressionantemente, o espocar uníssono de milhões champanhes formando uma onda turva de espuma e rolhas. Um mar de felicidade. 2 milhões de pessoas! Ao mesmo tempo. Parecia combinada a sincronia.
Impressionante pra caralho!
Chorei.
quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
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Um comentário:
Puta merda, reveillon em Copacabana deve ser fracasso mesmo.
Alías, porque se escreve reveillon e não reveión?
Bela crônica!
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