fracassos

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terça-feira, 7 de julho de 2009

HUMORISTA FRACASSADO




Parecia pra mim que tinha ficado claro que este blog tem como propósito ( contradição em termos: blog / propósito), único e exclusivo, de apenas relatar, tal como num divã, meus fracassos ao longo dessa minha depressiva vida.

O nome é auto-explicativo: AUTOBIOGRAFIA DE UM MERDA ou o MANUAL DO FRACASSADO.

Mas há sempre quem veja chifres em cabeça de cavalo ou piolho na cabeça de careca: ver coisas onde não existem.

Explico.

Há mais ou menos um mês atrás, um amigo meu, católico praticante e professor de filosofia, me mandou um e-mail dizendo que achava o blog muito engraçado. Que era um dos melhores blogs de humor que tinha lido. Mandei ( pelo e-mail) ele tomar no olho do cu!

Está claro que é deliberada a minha intenção de compartilhar com quer que leia essa merda de blog os momentos mais tristes da minha vida. Tão só isso! Nada mais do que isso. Portanto, não é engraçado, é triste, porra!

Ele não sossegou. Respondeu que o site é de humor. Eu neguei e fiquei sem saco pra argumentar. Ele, por hábito da profissão, quis provar-me através de critérios filosóficos (?!) que meu blog era humorístico. E saco pra argumentar é o que ele mais tem. E me mandou o seguinte e-mail, que não entendi porra nenhuma. Segue um trecho do que ele escreveu:


“ Querido amigo Merda Fracassado:

Teu blog Autobiografia de um merda é de humor, sim! Hilário e ao mesmo tempo triste – bittersweet, desemboca na metalinguagem, bem arrumado, mordaz, engraçado e sem intelectualismos.

É de humor. Sobretudo de uma fina auto-ironia.

Merda Fracassado, apesar de o humor ser largamente estudado, teorizado e discutido por filósofos e outros, permanece extraordinariamente difícil de definir. Para Sócrates, a ironia é uma espécie de "docta ignorantia", ou seja, "ignorância fingida" que questiona sabendo a resposta e orientando-a para o que quer que esta seja. Em Aristóteles e S. Tomás de Aquino, a ironia não passa de uma forma de obtenção de benevolência alheia pelo fingimento de falta de méritos próprios. A partir de Kant, assentando na ideia idealista, a ironia passa a ser considerada alguma coisa aparente, que como tal se impõe ao homem vulgar ou distraído. Corrosiva e implacável, a sátira é utilizada por aqueles que demonstram a sua capacidade de indignação, de forma divertida, para fulminar abusos, castigar, rir, os costumes, denunciar determinados defeitos, melhorar situações aberrantes, vingar injustiças… Umas vezes é brutal, outras mais sutil.

Já o humor é determinado essencialmente pela personalidade de quem ri. Por isso, pode-se pensar que o humor não ultrapassa o campo do jogo ou os limites imediatos da sanção moral ou social, mas este pode subir mais alto e atingir os domínios da compreensão filosófica, logo que o emissor penetre em regiões mais profundas, no que há de íntimo na natureza humana, no mistério do psíquico, na complexidade da consciência, no significado espiritual do mundo que o rodeia. Pode-se, assim, concluir que o humor é a mais subjectiva categoria do cômico e a mais individual, pela coragem e elevação que pressupõe. Logo, o que o distingue das restantes formas do cômico é a sua independência em relação à dialética e a ausência de qualquer função social. Trata-se, portanto, de uma categoria intrinsecamente enraizada na personalidade, fazendo parte dela e definindo-a até. É por isso que se diz “Há tantos humores como humoristas.”.

E há os que não sabem que o são...

“Ludus est necessarius ad conversationem humanae vitae.” – “O humor é necessário para a vida humana.” (S. Tomás de Aquino) Através desta afirmação, percebe-se que, da mesma maneira que o sono está para o repouso corporal, também o humor está para o repouso da alma. Esta analogia entre o sono e o humor é bastante explícita, no que diz respeito à importância do humor na vida do Homem. É por isto que o humor é considerado por S. Tomás de Aquino um "bem útil", e prossegue, considerando ainda que o humor pode ser um vício por excesso, ou seja, por falta de controle e medianiedade no uso deste. Aqueles que exageram no brincar tornam-se inoportunos, por querer fazer rir constantemente, ao invés tentar não dizer algo imoral e mesmo agressivo para com aqueles a quem a “brincadeira” é dirigida. O humor pode também ser um vício por ausência deste. Aqueles que carecem de humor, irritam-se com os que o usam e tornam-se “frios” e distantes, não deixando a sua alma repousar pelo uso do humor. Como no meio é que está a virtude, aqueles que usam convenientemente o humor, têm a capacidade de converter as coisas que se dizem ou fazem em riso.

Immanuel Kant alegava que o humor surge da "trasformação repentina de uma grande expectativa para o nada". O humor é tido como a dissolução violenta de uma atitude emoção, que e produzida pela associação de duas idéias inicialmente distantes. Segundo estes preceitos a piada de boa qualidade deverá necessariamente mesclar dois elementos altamente contrastantes de forma que se estabeleça forte relação entres ambos.”


Li o e-mail e não entendi porra nenhuma. Parada chata pra cacete. Respondi, pra finalizar a conversa, não tinha veia cômica ou humorística nenhuma. Que o que ele havia dito ( escrito pelo e-mail) não provava o que ele queria dizer e que, com a absoluta certeza, eu sabia que não tinha (tenho) o mínimo senso de humor: sou ranzinza,misantropo, tomo tarja-preta sob orientação psiquiátrica (dois Rivotril 2 mg por dia - um ansiolítico indicado para fobia social – o que me fez ter que parar de beber [ pela óbvia imcompatibilidade - deixando-me mais puto ainda! ] ), semi-hermitão, ereutófobo ( tenho pavor obsessivo de chamar a atenção em público). Um anti-humorista nato.

Eu respondi o e-mail e disse que sou mau humorado, que odeio ouvir piadas e que tenho pouquíssimos amigos - algo impossível para um cara engraçado.

Mandou outro e-mail de volta, dizendo que talvez minha veia humorística fosse involuntária e, por final, citou Millôr Fernades, sabendo que é o escritor que mais admiro:

“ O humor compreende também o mau humor. O mau humor é que não compreende nada”

Mandei a réplica mencionado uma frase do Millôr também:

“Caro Amigo,

Na verdade, enxergo só a sarjeta humana. Odeio a raça. Parafraseando, como ti, o Millôr, considero-me um humanista, isso não significa ser bonzinho ou acreditar que o homem é bonzão . Significa que aceito o homem como é – medroso, primário, perverso, escroto, invejoso, incapaz, acertando por acaso e errando por vaidade e ignorância.”


Ele não se contentou. Me propôs uma aposta. Pediu que eu assistisse a todos os programas brasileiros de humor que estivessem passando na televisão e tentasse elaborar roteiros e quadros para esses programas. E disse que, assim que eu os fizesse, ele, através de sua influência no meio, contactaria alguns roteiristas e os submeteria ao crivo desses profissionais da área.

Porra! Odeio televisão! Nunca fui de assistir essa merda. A minha só serve pra conectar meu dvd e ver, solitariamente, minha deprê coleção de filmes iranianos. Mas aceitei a bizarra aposta só pra provar que ele estava errado, e que parasse de me encher a porra do saco.

Passei uma maratona de seis meses ( janeiro a junho de 2009) ligando a televisão só para ver esses tipos de programas humorísticos. Achei tudo uma bosta. Vi os seguintes:

“Turma do Didi” ( Globo) e “Dedé e o Comando Maluco” (SBT ) - Vendo essas porcarias, percebi uma espécie tosca da velha pantomima, predominando cenas de tropelias, explorando-se motivos de riso fácil e de gosto discutível, implicando, muitas vezes, grande parte de violência física gratuita. Muito distante da genialidade do Charles Chaplin, do O Gordo e o Magro e de Os Três Patetas, onde havia um teatro gestual que fazia o menor uso possível de palavras e o maior uso de gestos, usando magistralmente a arte de narrar com o corpo. Felizes dos que eram crianças na época desses mestres, coitadas das crianças de hoje. Não consegui pensar em nada para roteiro nesse estilo. Desisti.

“Uma Escolinha Muito Louca” (SBT) – Totalmente desorganizado e com atores e atrizes (?!) extremanete canastrões, o formato do humoristico é plágio do antigo programa Escolinha do Professor Raimundo da Rede Globo. Nessa versão, o professor é o cantor Sidney Magal (?!), que deve estar ganhando bem, porque, nesse caso, a única diferença do programa plagiado, o salário do professor não é comentado. Não pensei em nada que coubesse naquele formato de humor (!?).

“Zorra total”, “A praça é nossa” - além do pré-histórico sistema de risadas ( dado fúnebre: são gravações de risos gente morta ), fiquei com dor-de-cabeça de tanto ficar ouvindo aqueles bordões ( acho que é a estratégia que surpreendentemente sustenta a longevidade do programa ) centenas de vezes. Na verdade, até contabilizei alguns: “Tô doido!”- uns tais de Jajá da Juju ( ouvi 137 vezes); “Tô pagaaaaaaaaaaaaaano!!!! ( 154 vezes) - Grana eu já tenho,só me falta-me o glamour.” ( 206 vezes) - “É é boom bom boo bobom nao é né! mas é bom é bom.”( 181 vezes) - Lady Kate; “ Isso é uma bichooooona!” ( 97 vezes) - “Cara crachá! Cara crachá!” ( dezenas, dezenas de vezes) -Paulo Silvino, e uma porrada de outros bordões que, programa a programa, eram repetidas sempre da mesma maneira. Surreal. Sem-graça pra caralho. Nem passou pela minha cabeça criar uma frase bizarra dessas. Não sei como é que neguinho ri daquelas merdas. Vai ver... ( Porra! Acho que isso serviria como bordão!).

“Show do Tom” – Tem Tiririca! Não dá! Vi uma vez só.

“A Praça é nossa” - um sub-Zorra Total, recheado de bordões que preferi nem anotar de tão toscos, só alguns: “Pensa que é bonito sê feioooo?” – Batoré / “Eu gosto das coisas muito bem explicadinhas,nos mííííííínimos detalhes!” ( sei lá de quem dizia essa porra). Sem comentários...

“Pânico na TV” – buscando inovar como uma vertente iconoclasta de humor, uma tentativa de ser uma espécie de anti-Zorra Total, o programa acaba ( quase sempre) extrapolando o linha tênue entre o humor e a grosseria. Sem o “timing” ( principalmente o tal de Vesgo) para piadas rápidas em entrevistas com celebridades, apelam para a ofensa desnecessária e idiota. Coisa pra adolescente imbecil. Caíram na desgraça dos bordões também. Deve ser isso que faz o Brasileiro rir. Alguns que ouvi: “Cadê o chinelo?”, “ Escuta vagabundo”, “Cadê você Adriano? Tá me escutando?” e “Ronaldo!”. O feitiço voltou contra o feiticeiro, tá virando Zorra Total. E já falei, odiei o Zorra Total.


“CQC” - uma versão intectualizada do Pânico na TV. Seus repórteres são bem mais articulados dos que os do Pânico na TV e têm o tal “timing” pra piadas rápidas ao vivo - cara a cara- ( já que todos são também craques do improviso no stand up comedy). Coisa que, como já disse, o Pânico na TV não tem. O problema, ao meu ver, é que, apesar da inegável qualidade, o programa acabou caindo no discurso politicamente correto, sobretudo nos quadros "CQC no Congresso" e “Proteste já”. Este mostra problemas de comunidades como a dengue, o tratamento de esgoto, transporte precário de crianças, as dificuldades de pessoas deficientes a ter acesso a locais, obras inacabadas, crise alimentar entre outros. Após realizar a matéria, Rafinha Bastos cobra soluções e prazos(e impostos) das autoridades para que o problema seja solucionado. Não pensei em nada que se encaixasse no esquema do programa.

Casseta & Planeta - Como eu já disse aqui no blog, sempre fui fã do Almanaque Casseta Popular e do jornal O Planeta Diário. Excelentes textos. Quando eram roteiristas do saudoso programa TV Pirata, com interpretações de comediantes versáteis ( Regina Casé, Luis Fernando Guimarães, Guilherme Karan & tal) , era do caralho. Com o programa próprio inaugurando, o Casseta & Planeta Urgente, acabou caíndo nas graças da estrondosa audiência. Foi considerado por um instituto de pesquisa, ano passado, o programa mais influente da TV brasileira. Essa audiência de milhões fez com que - para adequarem uma linguagem que atingisse “dos oito ao oitenta” - o humor peculiarmente transgressor fosse substituído por uma versão mais infantil e palatável, bem diferente do teor da época impressa. Mas, peneirando, percebe-se coisas de extrema qualidade escondidas, já que ali ( de todos os programas de humor televisivo que vi) tem roteiristas de qualidade. Foi o único em que eu me entusiasmei para mandar para o meu amigo filósofo uma idéia de quadro. Na verdade, não um quadro, mas umas vinte idéias para produtos das “Organizações Tabajara”. Uma delas:

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Para quem conhece os “produtos” Tabajara, considere a parafernália e os spots que acompanham os anúncios da “empresa”.

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“ESTEIRA ULTRA-PRÁTICA TABAJARA”

[ voz anunciando] - “ Você fica de saco cheio quando está na esteira da academia, no meio de um monte de machos musculosos, e anda quilômetros e quilômetros, olhando sempre pra frente, sem nunca sair do lugar?”

[ aparece o Reinado, suado, dentro de uma academia, usando uma roupa de ginástica, toalha no ombro, olhando pra frente com cara de decepção, enquanto ficam uns caras marombados passando na frente dele]

[ Ele ouve a voz e faz que “sim!” com a cabeça]

[ voz anunciando] - “ Meu amigo! Seus problemas acabaram!”

[ voz anunciando] - “ AS ORGANIZAÇÕES TABAJARA criaram a “ESTEIRA ULTRA-PRÁTICA TABAJARA”

[ voz anunciando] - “ Super-prática, a “ESTEIRA ULTRA-PRÁTICA TABAJARA” acaba com aquela sensação monótona e enfadonha de ter que ficar andando sempre no mesmo lugar”

[ aparece a imagem do Reinaldo rindo, fazendo “tudo jóia” com o dedo polegar, em cima da “ESTEIRA ULTRA-PRÁTICA TABAJARA”]

[ voz anunciando] - “A “ESTEIRA ULTRA-PRÁTICA TABAJARA” é a mais alta tecnologia a serviço da sua saúde e do seu bem estar. Você fica malhado e ainda foge da monotonia da esteira convencional”. ]

[ voz anunciando] - “Chega de ficar andando, andando sem sair do lugar! Compre já a A “ESTEIRA ULTRA-PRÁTICA TABAJARA”

Aparece a imagem de uma esteira igual às outras mas com uma diferença: embaixo da esteira há quatro rodinhas e na frente um volante de carro.

[ voz anunciando] - A “ESTEIRA ULTRA-PRÁTICA TABAJARA” te leva onde você quiser! Totalmente versátil, móvel, vem com volante para te guiar para onde você quiser ir, sem ter que ficar preso na academia”

[ aparece a imagem do Reinaldo exageradamente alegre, andando em cima da esteira , fazendo “tudo jóia”, e dirigindo a “ESTEIRA ULTRA-PRÁTICA TABAJARA” ( movida pelo impulso dos passos do atleta) pelo centro da cidade e olhando feliz a bunda das mulheres que passam ]

[ voz anunciando] - “A ESTEIRA ULTRA-PRÁTICA TABAJARA só poderia ser mais um produto genial das ORGANIZAÇÕES TABAJARA”

ORGANIZAÇÕES TABAJARA

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Mandei as oito idéias ( entre as quais a da esteira) para o meu amigo filósofo que, prontamente, conseguiu entrar em contato com a produção do Casseta & Planeta Urgente, enviando-as.

Não demorou nem uma semana para que recusassem as idéias, pra decepção dele ( não minha, já que imaginava a recusa).

Mesmo assim, podendo, através desse fracasso, constatar que realmente não tenho vocação nenhuma para fazer humor ele continua insistindo que essa porra blog é engraçado.

Parei de discutir. Cheguei a seguinte conclusão: depende muito da forma em que cada pessoa faz o humor, e a forma que cada pessoa acha engraçado. Por exemplo, há pessoas ( como esse meu amigo) que acham engraçado tudo o que vêem. Essa são as piores, pois quando queremos falar sério elas não acreditam.

Constatei que há, na verdade,por parte desse meu amigo filósofo, um quê de puro sadismo: rir da desgraça alheia.

Um comentário:

o dr. A. Noel disse...

Muito engraçado!
Ri para caralho!